Em muitas comunidades moçambicanas, especialmente nas zonas rurais, o dia começa com a busca por lenha. É esse recurso, retirado das matas vizinhas, que garante a refeição diária de milhões de famílias. No entanto, o uso constante e intensivo da lenha tem alimentado uma crise ambiental silenciosa, com impactos diretos sobre as florestas do país, a saúde das mulheres e crianças e o futuro do meio ambiente em Moçambique.
A lenha como única saída
Segundo dados do Ministério da Terra e Ambiente, mais de 80% das famílias moçambicanas utilizam lenha ou carvão vegetal como principal fonte de energia para cozinhar. Nas zonas rurais, onde o fornecimento de eletricidade é escasso e o gás de cozinha é inacessível para a maioria, a lenha é muitas vezes a única alternativa possível.
“Aqui usamos lenha todos os dias. O carvão é caro e o gás nem chega à nossa zona”, conta Mariana, camponesa da província de Sofala. “Sem a lenha, meus filhos não comem.”
A situação se repete em diversas províncias, como Zambézia, Tete, Nampula e Cabo Delgado. Famílias inteiras dependem da lenha para sobreviver. No entanto, essa prática tem um custo ambiental elevado.
A floresta que desaparece
Moçambique perde em média mais de 200 mil hectares de floresta por ano, de acordo com o Relatório Nacional sobre o Estado do Ambiente. Parte significativa desse desmatamento é causada pela procura de lenha e carvão vegetal. Quando árvores são cortadas continuamente sem tempo para regeneração, o solo perde sua cobertura natural, tornando-se vulnerável à erosão e perdendo fertilidade.
Essa degradação ambiental compromete as machambas, reduz a disponibilidade de água nos rios e nascentes, e afeta diretamente a biodiversidade local. Muitas comunidades já sentem a diferença: as árvores estão cada vez mais distantes, e os recursos naturais, mais escassos.
Saúde em risco
Para além do impacto ambiental, o uso da lenha como combustível doméstico também afeta gravemente a saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a exposição prolongada à fumaça dos fogões tradicionais está entre as principais causas de doenças respiratórias crónicas, especialmente em mulheres e crianças.
Nas casas sem chaminé ou ventilação adequada, o fumo enche o ambiente e torna o simples ato de cozinhar uma atividade perigosa. Bronquites, infecções pulmonares e problemas oculares são frequentes em famílias que utilizam lenha diariamente.
Soluções sustentáveis existem, mas são limitadas
Apesar do cenário preocupante, há soluções que já estão a ser implementadas em algumas comunidades, ainda que de forma limitada. Iniciativas promovidas por organizações como a SNV, a ADPP e a Fundação MICAIA têm introduzido fogões melhorados que consomem menos lenha e produzem menos fumo.
Esses fogões são mais eficientes e contribuem para reduzir a pressão sobre as florestas. Além disso, algumas escolas comunitárias ensinam crianças e jovens a produzir briquetes ecológicos, feitos a partir de resíduos agrícolas, como folhas secas e cascas de milho, substituindo a lenha.
No entanto, essas soluções ainda não chegam à maioria da população. O custo dos fogões melhorados, a falta de acesso ao gás de cozinha e a ausência de políticas públicas eficazes dificultam a transição para formas de energia mais sustentáveis.
Um dilema estrutural
O dilema vivido por milhões de moçambicanos não é entre conservar ou destruir a floresta, mas entre cozinhar ou passar fome. É uma escolha forçada pela pobreza e pela ausência de alternativas acessíveis.
“As pessoas não cortam árvores porque querem. Cortam porque precisam cozinhar para os filhos. Sem energia acessível, a floresta será sempre a primeira vítima”, afirma Carlos Serra, engenheiro ambiental.
A longo prazo, a solução exige políticas públicas que levem energia limpa às zonas rurais, subsídios para fogões eficientes, programas de reflorestamento e educação ambiental de base comunitária. É necessário envolver líderes locais, escolas, rádios comunitárias e associações de mulheres para que a mudança seja enraizada e sustentável.
Fogo que alimenta ou queima o futuro?
A lenha continuará a ser parte da vida moçambicana por muitos anos. Mas é possível transformar o modo como ela é usada e buscar alternativas que protejam o ambiente e a saúde das famílias.
Garantir que todas as pessoas tenham acesso a formas seguras e sustentáveis de cozinhar é não apenas uma questão ambiental, mas também de justiça social. Porque o fogo que hoje aquece a panela, não pode continuar a queimar o futuro das nossas florestas.