O comentador desportivo Vítor Miguel considera infundada a contestação de alguns sócios do Clube Ferroviário de Maputo à mudança da designação do Estádio da Machava para Estádio da Independência Nacional.
Segundo o analista, a decisão tem respaldo histórico, institucional e simbólico, e os sócios não possuem competência legal para impedir uma medida promovida pelo Estado e financiada com fundos públicos.
Vítor Miguel, defendeu, nesta semana, que a contestação por parte de alguns sócios do Clube Ferroviário de Maputo à mudança do nome do Estádio da Machava para Estádio da Independência Nacional carece de fundamento legal e histórico. Para o analista, os associados do clube “não têm competência formal para impedir ou reverter” uma decisão tomada no âmbito de uma ação do Estado, sobretudo tratando-se de uma infraestrutura de valor nacional e que está a ser requalificada com fundos públicos.
“É fundamental compreendermos, antes de tudo, o contexto histórico do próprio Estádio. O recinto foi erguido na era colonial portuguesa como parte da expansão dos Caminhos-de-Ferro, sendo inicialmente batizado como Estádio Salazar, em homenagem a António de Oliveira Salazar, chefe do regime ditatorial do Estado Novo em Portugal”, recorda Vítor Miguel.
Segundo o comentador, o nome original foi imposto pelo governo colonial e não resultou de qualquer deliberação dos sócios do Ferroviário. Com a independência nacional em 1975, o novo governo moçambicano adotou um conjunto de medidas de descolonização simbólica, incluindo a renomeação de edifícios, ruas e instituições com vínculos diretos ao colonialismo. Nesse processo, o estádio passou a ser designado por Estádio da Machava, com base na sua localização geográfica, e não por iniciativa dos associados do clube.
“O mais importante é que agora, ao celebrarmos os 50 anos da independência nacional, o Estado moçambicano decidiu, de forma legítima e simbólica, atribuir ao recinto o nome de Estádio da Independência Nacional. Foi ali, naquele espaço, que Samora Machel proclamou a independência de Moçambique. Esta é uma homenagem à nossa memória coletiva e à soberania do povo moçambicano”, sublinhou.
Vítor Miguel reconhece que, no atual contexto democrático, alguns defendem que deveria ter havido uma consulta pública sobre a mudança do nome. No entanto, considera que a legitimidade histórica e institucional da decisão está assegurada. “Se o povo adotar e usar esta nova designação, como tantas outras que se consolidaram com o tempo, ela será naturalmente incorporada no discurso público”, argumenta.
O comentador aponta também para exemplos concretos do quotidiano que ilustram como as designações se consolidam ou sobrevivem independentemente da nomenclatura oficial. “Temos o caso do Pavilhão do Maxaquene, que muitos continuam a chamar de ‘Pavilhão dos Portugueses’, ou o bairro da Muntanhana, cuja designação popular é mais forte do que a oficial. É o uso social que afirma os nomes”, referiu.
Neste sentido, Vítor Miguel defende que a comunicação social desempenha um papel central na divulgação e consolidação do novo nome. “Se os jornalistas, os locutores desportivos e os clubes utilizarem a nova designação de forma consistente, o nome Estádio da Independência Nacional será facilmente apropriado pela sociedade”.
Sobre as alegações de que a mudança ignora a vontade dos sócios do Ferroviário, o comentador recorda que o estádio está a ser requalificado com recursos do erário público, o que reforça a legitimidade do Estado em liderar o processo. “Não se trata de uma instalação exclusivamente do clube. O investimento que está a ser feito é nacional e visa servir toda a sociedade”, frisou.
Num tom mais amplo, Vítor Miguel aproveitou a ocasião para alertar sobre o estado geral das infraestruturas desportivas no país. Recordou que vários clubes históricos, como o Estrela Vermelha e o Testemunha Africana, enfrentam dificuldades extremas por falta de apoio e de condições básicas para a sua atividade. “Há equipas que não conseguem disputar as competições nacionais por falta de relvados ou balneários, ou porque não conseguem pagar salários”, lamentou.
Referiu ainda que Moçambique continua a ser excluído de acolher grandes eventos desportivos internacionais por não garantir os padrões exigidos pela Confederação Africana de Futebol (CAF) e pela FIFA. “O Estádio Nacional do Zimpeto, conhecido como Enzo, foi desqualificado. E o da Machava, agora Estádio da Independência, precisa cumprir rigorosos critérios de certificação para voltar a acolher jogos de alto nível”, reforçou.
Para o comentador, o país precisa de criar fundos específicos de apoio ao desporto, investir na reabilitação de infraestruturas e promover projetos de gestão desportiva sustentável. “Sem clubes fortes e estádios modernos, Moçambique não conseguirá elevar o seu desporto a nível internacional. A mudança de nome é importante, mas a modernização física e funcional dos espaços desportivos é ainda mais urgente.”
Concluindo, Vítor Miguel reforça que a decisão de renomear o antigo Estádio da Machava deve ser respeitada e vista como um passo importante na consolidação da identidade nacional. “É um nome com significado, com história e com simbolismo. Cabe-nos a todos — jornalistas, desportistas, gestores e cidadãos — garantir que o nome Estádio da Independência Nacional se firme como referência da nossa soberania e da nossa memória comum”, concluiu.