O Governo moçambicano decidiu, nesta terça-feira, 08 de Julho, revogar o decreto que assegurava o pagamento de subsídios aos estudantes finalistas do curso de medicina nas universidades públicas.
A medida, aprovada durante a 24.ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, põe termo a uma política em vigor há mais de duas décadas, que visava apoiar financeiramente os futuros médicos no último ano da sua formação.
A revogação do Decreto n.º 58/2004, de 8 de Dezembro, marca uma viragem significativa na forma como o Estado se posiciona em relação ao financiamento direto dos estudantes de medicina, particularmente numa fase considerada crítica do seu percurso académico. Com esta decisão, os estudantes do sexto ano de medicina deixam de beneficiar de um subsídio que, apesar das suas fragilidades operacionais, era visto como um reconhecimento do esforço e da exigência que o curso representa.
Segundo explicou o Executivo, o contexto que justificou a criação do decreto mudou substancialmente. Em 2004, a Universidade Eduardo Mondlane era a única instituição pública a formar médicos em Moçambique.
Actualmente, existem várias universidades públicas com cursos de medicina, o que, na visão do Governo, torna insustentável a manutenção do modelo anterior de apoio financeiro, dadas as limitações orçamentais e o aumento do número de beneficiários.
A decisão surge também na sequência de crescentes dificuldades na implementação do subsídio, cuja operacionalização tem sido marcada por atrasos reiterados e pela insatisfação crescente dos estudantes.
Nos últimos anos, multiplicaram-se os protestos de finalistas, especialmente nas cidades de Maputo, Nampula e Beira, que exigiam o cumprimento dos compromissos legais do Estado em relação ao pagamento dos subsídios em tempo útil.
Embora o Governo reconheça a importância da formação médica para o país, entende que a sustentabilidade das políticas públicas deve ser constantemente revista à luz da realidade actual. A revogação do decreto visa, segundo fontes do Executivo, permitir a reformulação dos mecanismos de apoio ao ensino superior, de forma mais abrangente e equitativa, não se restringindo apenas a um grupo profissional.
“É uma decisão difícil, mas necessária. O modelo de 2004 já não responde aos desafios actuais. Precisamos de garantir justiça orçamental e repensar o apoio à formação superior num contexto mais alargado”, afirmou uma fonte governamental que preferiu o anonimato.
A decisão, no entanto, está a gerar forte contestação no seio da comunidade estudantil e em vários círculos académicos e profissionais ligados à saúde. Para muitos, a revogação do decreto representa um retrocesso num sector crítico como o da saúde, numa altura em que o país continua a enfrentar escassez de médicos, sobretudo nas zonas rurais e periféricas.
Estudantes ouvidos pela nossa reportagem classificam a medida como “injusta” e “desestimulante”, alertando que poderá agravar as desigualdades no acesso à formação médica e comprometer a qualidade do ensino, uma vez que muitos finalistas dependem exclusivamente do subsídio para garantir alimentação, transporte, material clínico e outras despesas essenciais no período de estágio.
Organizações representativas dos estudantes universitários já anunciaram que vão solicitar esclarecimentos ao Ministério da Educação e ao Ministério da Saúde, exigindo medidas alternativas que garantam a continuidade e a qualidade da formação médica. Em alguns círculos, discute-se a possibilidade de avançar com uma petição ou solicitar a revisão parlamentar da medida.
A revogação do decreto ocorre num momento em que o sector da saúde em Moçambique enfrenta diversos desafios estruturais, desde a escassez de profissionais qualificados até à sobrecarga nos serviços hospitalares. Embora a formação de médicos tenha aumentado nos últimos anos, graças à expansão da rede de instituições públicas de ensino superior, a capacidade de absorção dos recém-formados nos hospitais públicos continua limitada.
Alguns analistas defendem que a medida deve ser acompanhada por uma estratégia robusta de reforma no financiamento ao ensino superior, que inclua mecanismos de bolsas de estudo, crédito educativo e incentivos ao mérito académico. Outros alertam, contudo, que o fim abrupto de um subsídio essencial pode fragilizar ainda mais um sistema de saúde já sobrecarregado.
A revogação do Decreto n.º 58/2004 coloca, assim, em debate o equilíbrio entre a sustentabilidade financeira do Estado e a necessidade de investir no capital humano como base para o desenvolvimento. Enquanto o Governo justifica a decisão com base na evolução do sistema de ensino e nas limitações orçamentais, os estudantes e diversos sectores sociais insistem que cortar apoios num curso tão exigente como medicina pode ter consequências graves no futuro do país.
Nos próximos dias, espera-se uma avalanche de reacções por parte de organizações da juventude, conselhos estudantis, sindicatos e ordens profissionais, numa altura em que a confiança nas políticas públicas de educação e saúde está a ser posta à prova. A discussão promete acender o debate nacional sobre as prioridades do investimento público e o papel do Estado na formação de quadros qualificados.