A crise de divisas que assola Moçambique está a provocar estrangulamentos generalizados no sector produtivo nacional, com impactos diretos na capacidade de importação, produção industrial e acesso a matérias-primas essenciais. O alerta foi feito pelo economista Egas Daniel, que classifica a situação como “estruturalmente crítica” para a economia nacional.
Durante uma análise detalhada da conjuntura económica, nesta quinta-feira (17), em MAputo, Daniel sublinhou que “a escassez aguda de moeda estrangeira está a criar um ambiente empresarial asfixiante, particularmente preocupante para empresas que dependem de transações internacionais”.
Esta constatação surge num contexto de crescentes relatos sobre restrições no uso de cartões bancários moçambicanos em território europeu, com informações não oficiais a indicarem limitações a partir de meados de Julho.
O sector empresarial enfrenta actualmente uma dupla pressão: por um lado, dificuldades crescentes no processamento de pagamentos internacionais; por outro, atrasos sistemáticos na liquidação de facturas a fornecedores estrangeiros. “Estamos perante um cenário que distorce completamente as regras do mercado, colocando em causa a sobrevivência de muitas unidades produtivas”, explicou o economista.
As medidas recentemente implementadas pelo Banco de Moçambique, incluindo a conversão compulsiva de 50% das receitas de exportação e limitações às transacções internacionais com cartões, visam travar a hemorragia de divisas. Contudo, segundo Daniel, “a aplicação indistinta destas medidas está a ter efeitos colaterais graves, prejudicando até operações comerciais perfeitamente legítimas e documentadas”.
A situação expõe fragilidades estruturais profundas no sistema financeiro moçambicano. “Temos um problema de base na gestão cambial que se arrasta há anos, agravado agora por factores externos como a redução de investimento directo estrangeiro e a contração do mercado internacional”, analisou o especialista.
Paralelamente, o regime fiscal moçambicano está a ampliar as disparidades económicas. Enquanto pequenas e médias empresas enfrentam uma carga tributária desproporcional, grandes conglomerados internacionais beneficiam de regimes fiscais privilegiados. “Esta distorção não só prejudica a competitividade das empresas nacionais como limita drasticamente a capacidade do Estado em gerar receitas para investimento público”, afirmou Daniel.
O impacto no tecido produtivo é já visível em vários sectores. Indústrias transformadoras reportam paralisação parcial de linhas de produção devido à impossibilidade de importar componentes essenciais. O sector agrícola, por seu turno, enfrenta dificuldades na aquisição de fertilizantes e equipamentos.
Num esforço para contornar as restrições, muitas empresas estão a recorrer a mecanismos informais de acesso a divisas, com os riscos inerentes a estas operações. “O que estamos a observar é a progressiva informalização do comércio exterior, com todos os perigos que isso acarreta em termos de segurança jurídica e financeira”, alertou o economista.
Analistas concordam que a solução passa por uma reforma profunda do sistema cambial, associada a uma revisão completa da política fiscal. “É imperativo criar mecanismos diferenciados que protejam as operações legítimas do sector produtivo, ao mesmo tempo que se combatem efectivamente os fluxos ilícitos de capitais”, defendeu Daniel.
A médio prazo, especialistas recomendam a adopção de medidas que estimulem a produção nacional de bens actualmente importados, reduzindo assim a pressão sobre a balança de pagamentos. “Temos de aproveitar esta crise como oportunidade para relançar a industrialização do país”, sugeriu o analista económico.
Num contexto de incerteza global, com a guerra na Ucrânia e a desaceleração económica chinesa a afectarem as cadeias de abastecimento internacionais, Moçambique enfrenta o desafio de reequilibrar sua economia sem comprometer o já frágil crescimento económico.
A situação actual coloca em evidência a urgência de um diálogo alargado entre o governo, sector privado e especialistas para encontrar soluções concertadas. Como concluiu Egas Daniel: “Sem uma abordagem coordenada e estratégica, arriscamo-nos a transformar uma crise cíclica num problema estrutural de longa duração, com consequências sociais imprevisíveis”.