A antiga primeira-Dama de Moçambique e activista social, Graça Machel, diz ser urgente a criação de mecanismos para a erradicação de violência baseada no género sobretudo a que vem sendo perpetuada entre crianças e adolescentes no país.
Machel falava nesta segunda-feira( 21) de julho, durante uma visita a Escola Básica da Machava – Quilómetro 15, em Maputo, local onde ocorreu a violação de uma aluna de 14 anos, violentada por quatro rapazes, três deles estudantes da mesma instituição.
O caso, ocorrido fora do recinto escolar, chocou o país pela crueldade e pela divulgação do crime nas redes sociais.
“O que há de errado na nossa sociedade quando crianças de 14 e 15 anos planejam, embebedam, violam e ainda expõem a vítima nas redes sociais?”, questionou Machel, em discurso incisivo. A líder social não poupou críticas à banalização da violência e à omissão de adultos que falham em educar os jovens sobre limites e respeito.
Dados do Ministério da Educação moçambicano revelam que casos de agressão sexual em escolas têm aumentado, mas poucos chegam às autoridades. A vítima do episódio recente sofreu não só o trauma do abuso, mas também a humilhação pública, com imagens do crime circulando entre colegas.
“Isso não é apenas um crime, é um sintoma de uma sociedade doente”, afirmou Machel. Ela destacou que a naturalização da violência entre adolescentes reflete uma cultura permissiva, onde agressores não enfrentam consequências claras.
A ativista condenou ainda o uso irresponsável das redes sociais, que amplificam o sofrimento das vítimas. “As plataformas digitais estão a ser usadas para glorificar a violência, e isso precisa parar”, alertou, exigindo maior responsabilidade de pais, escolas e plataformas digitais.
“Os agressores precisam ser informados de que há limites. Ainda são jovens e podem mudar, mas, se continuarem assim, tornar-se-ão adultos irremediavelmente violentos”, advertiu. A fala de Machel ecoa preocupações de especialistas sobre a escalada de comportamentos antissociais entre adolescentes.
A ausência de diálogo familiar e a falta de educação sexual nas escolas foram apontadas como fatores agravantes. “Muitos desses jovens nunca ouviram um ‘não’ em casa”, criticou. A negligência, segundo ela, cria uma geração que desconhece empatia.
Professores da Escola da Machava relataram sentir-se despreparados para lidar com situações extremas. “Precisamos de políticas públicas urgentes, não apenas punições, mas prevenção”, disse uma docente, sob condição de anonimato.
Machel foi enfática: “Isto não é problema só da escola ou da vítima – é de todos nós”. Ela convocou líderes comunitários, religiosos e midiáticos a unirem-se contra a cultura de violência.
O caso expõe ainda a revitimização judicial: muitas adolescentes desistem de denunciar por medo de exposição. “Quantas mais meninas precisam sofrer para que acordemos?”, indignou-se.
Para ativistas locais, a impunidade é combustível para novos crimes. “Quando agressores são protegidos por suas idades, a mensagem é de que não há consequências”, criticou uma representante da Associação Mulher, Lei e Desenvolvimento.
Machel encerrou sua fala com um apelo: “Não podemos normalizar o horror. Se não agirmos agora, estaremos a criar monstros”. Suas palavras soaram como um alerta para um futuro sombrio, caso a inércia persista.
Enquanto isso, a vítima e sua família enfrentam o desafio de reconstruir suas vidas. A escola prometeu reforçar medidas de segurança, mas especialistas afirmam que isso não basta sem mudanças profundas.
O caso da Machava não é isolado. É o retrato de uma crise que exige respostas coletivas – desde a educação em casa até políticas públicas eficazes. A pergunta que fica é: quantos gritos ainda precisam ser ignorados?
Graça Machel deixou claro: repudiar a violência não é suficiente. É hora de agir. “Ou mudamos hoje, ou amanhã seremos cúmplices dessa barbárie”, finalizou, em um chamado à ação que ecoa além das salas de aula.