O Tribunal Judicial do Distrito de Marracuene, província de Maputo, ordenou recentimente a restituição provisória da posse de uma casa e de uma machamba ao cidadão Rodrigues João Mangue, após um processo que se arrastava há vários meses.
A decisão foi celebrada pela comunidade de Hobjana como um marco na luta contra a usurpação de terras em Moçambique.
A ação judicial contou com o apoio técnico do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), que representou Rodrigues em todas as fases do processo. O tribunal concluiu que o legítimo ocupante tinha sido removido de forma irregular, em clara violação dos seus direitos de uso e aproveitamento da terra.
No dia marcado para a restituição, a cidadã Carla Maria Alvarenga Soares Brás, apontada como parte contrária, não compareceu. Em seu lugar enviou representantes, o que, segundo fontes locais, já se tornou prática recorrente. Ainda assim, as autoridades judiciais prosseguiram com a diligência, cumprindo a ordem emitida.
A decisão foi acolhida com entusiasmo pelos vizinhos e líderes comunitários, que a consideraram “um momento histórico” e uma prova de que “a lei ainda funciona quando se luta com persistência”. O caso ganhou relevância local e regional por simbolizar o confronto entre camponeses vulneráveis e figuras com alegado poder económico.
Rodrigues, antigo combatente e agricultor respeitado na comunidade, afirmou que sempre acreditou na via pacífica. “Preferi confiar na justiça. Nunca levantei a mão contra ninguém, nem aceitei provocações. Apenas fui ao IPAJ e pedi ajuda”, disse, emocionado, após regressar à sua residência.
A Lei de Terras de 1997, que reconhece o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) com base na ocupação de boa-fé, foi fundamental para a decisão. Rodrigues vive e cultiva o terreno há mais de 20 anos, o que lhe garante proteção legal, mesmo sem título formal.
Para o IPAJ, o desfecho do processo confirma a importância da assistência jurídica gratuita na defesa de comunidades desfavorecidas. Os seus técnicos acompanharam a denúncia desde o início até ao despacho final, demonstrando o impacto do acesso à justiça no dia a dia dos camponeses.
Especialistas sublinham que o caso cria um precedente relevante, sobretudo em zonas periurbanas de Maputo, onde os conflitos de terra se multiplicam devido à especulação imobiliária. “Quando a justiça decide em favor dos pequenos produtores, transmite uma mensagem clara: o direito à terra não é exclusivo dos poderosos”, afirmou um jurista ouvido pelo Notícias.
Na comunidade de Hobjana, a vitória foi vivida com cânticos, abraços e manifestações de solidariedade. Para os vizinhos, o regresso de Rodrigues à sua casa e à sua machamba representa não apenas a restituição de bens, mas também a reafirmação da dignidade camponesa. “Ele é um de nós. Esta terra é dele. Todos sabemos. O que aconteceu é justiça divina e dos homens”, declarou um ancião.
Mais do que um lar, o terreno devolvido é uma fonte de sustento para a família de Rodrigues e para outras famílias que dependem da sua produção agrícola. Ali cultiva milho, mandioca e hortícolas, sendo ainda responsável pela formação de jovens na agricultura familiar, que garante 95% da produção alimentar do país.
O caso encerra uma lição maior: em tempos em que muitos recorrem à violência para resolver conflitos fundiários, Rodrigues demonstrou que a paciência e a persistência institucional podem vencer. “Não precisei de violência. Usei a lei. Agora quero apenas viver em paz com a minha enxada e o meu campo”, concluiu.







