O discurso político voltou a apontar a produção de arroz como chave para a soberania alimentar do país. Mas a distância entre os anúncios feitos na Feira Internacional de Maputo (FACIM) e o quotidiano dos agricultores continua a ser demasiado grande para passar despercebida.
Na cerimónia de lançamento da marca nacional “Arroz Chimunda”, de Sofala, o Secretário de Estado do Mar e das Pescas, Momade Juízo, lançou um desafio, os agricultores moçambicanos devem apostar na rizicultura para reduzir a dependência da importação. O apelo é justo, mas levanta interrogações: quantas vezes, ao longo da última década, promessas semelhantes foram feitas sem que se traduzissem em mudanças estruturais?
Segundo dados oficiais, o país produziu 284 mil toneladas na última campanha agrícola. No entanto, Moçambique continua a gastar cerca de 485 milhões de dólares por ano em importação de arroz. A matemática é clara e pouco animadora: o que se produz internamente cobre apenas uma fração da procura, e o peso sobre a balança comercial cresce.
O lançamento do “Arroz Chimunda” pela empresa Chimunda AgroBusiness é apresentado como um sinal de inovação. A produção instalada às margens férteis do rio Púnguè mostra que existe potencial. Contudo, especialistas do setor alertam que iniciativas isoladas, por mais promissoras que sejam, não resolvem um problema estrutural de dependência.
O representante da empresa, Ricardo Conhaque, sublinhou o compromisso da Chimunda AgroBusiness com a produção nacional, a criação de empregos e a sustentabilidade agrícola. Mas mesmo com este esforço, o risco é claro: a marca pode acabar como exceção num mercado dominado por arroz importado barato e subsidiado.
Enquanto se fazem anúncios e discursos sobre segurança alimentar, os camponeses que sustentam o grosso da produção agrícola lutam contra problemas básicos: falta de sementes melhoradas, custos elevados de fertilizantes, estradas rurais intransitáveis e fraca capacidade de armazenamento. Nenhum destes pontos foi destacado no evento.
Além disso, a produção de arroz exige sistemas de irrigação robustos. E no país, a maior parte dos campos continua dependente das chuvas, cada vez mais irregulares devido às mudanças climáticas. Ignorar esta vulnerabilidade é, no mínimo, arriscar a sustentabilidade de qualquer plano.
Outro ponto que desperta críticas é a ausência de uma política clara de proteção do produtor nacional. O mercado continua aberto à entrada de arroz importado em larga escala, o que torna quase impossível para o arroz moçambicano competir em preço. O resultado é previsível: os consumidores optam pelo mais barato, mesmo que seja estrangeiro.
A retórica oficial insiste na “valorização das marcas nacionais”, mas sem instrumentos de política comercial e agrícola eficazes, esse apelo soa mais a desejo do que a estratégia. O consumidor, por sua vez, continua refém de um mercado que privilegia o produto importado em detrimento do local.
Por isso, o “Arroz Chimunda” pode ser visto de duas formas: como uma luz no horizonte ou como mais uma vitrine para discursos políticos em eventos de ocasião. O futuro da produção de arroz em Moçambique não depende apenas da boa vontade de uma empresa, mas sim de políticas sérias, contínuas e adaptadas à realidade do campo.