O director-geral do Centro de Integridade Pública (CIP), Edson Cortez, apresentou recentemente uma análise crítica sobre o conceito de Estado de Direito em Moçambique, questionando a sua efetiva aplicação no contexto nacional.
Segundo Cortez, o Estado de Direito, por definição, é um sistema em que o poder do Estado e dos seus agentes está limitado pela lei, garantindo que ninguém está acima dela e que o exercício do poder público ocorre de forma transparente, legal e dentro de procedimentos estabelecidos. Este princípio, afirmou, protege os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e exige a existência de tribunais independentes e imparciais para assegurar a justiça.
O dirigente do CIP observou, contudo, que a realidade moçambicana está distante deste ideal. Na sua visão, o país é dominado há mais de 50 anos por um único partido, a Frelimo, que controla o Estado, a economia e grande parte das estruturas sociais. “Em Moçambique, é conveniente ser da Frelimo. Quem não é do partido dominante sofre retaliações, enfrenta ameaças, pode perder o emprego ou ser impedido de progredir profissionalmente”, afirmou.
Cortez referiu ainda que este domínio prolongado criou um sistema onde a lealdade partidária se sobrepõe à competência, e onde o acesso a oportunidades económicas e políticas depende da proximidade com as elites do partido no poder. Segundo explicou, o país sobreviveu durante anos sustentado por dois principais vetores económicos: o capital internacional e a ajuda ao desenvolvimento. Contudo, com a redução significativa da ajuda externa, Moçambique ficou exposto à fragilidade da sua própria economia.
O director-geral do CIP apontou também a existência de grupos de interesse e cartéis que controlam setores estratégicos, desviando recursos que deveriam ser canalizados para o Estado. “Estes grupos consomem uma parte considerável das receitas públicas, limitando a capacidade do Estado de garantir serviços básicos como saúde, educação e infraestruturas”, alertou.
Para ilustrar o fenómeno, Cortez mencionou empresas como a Kudumba e a MCNet, que prestam serviços nos aeroportos e alfândegas, cobrando taxas elevadas e absorvendo receitas que poderiam fortalecer a Autoridade Tributária. “Estes grupos controlam o Estado e os seus recursos, impedindo o desenvolvimento de uma economia sustentável”, acrescentou.
O responsável considerou que a retirada de apoios internacionais e a dependência de um pequeno grupo económico e político deixaram o Estado financeiramente debilitado. “Temos um Estado quase falido, incapaz de responder às necessidades da população. A pergunta é: será que existe vontade política suficiente para enfrentar os grupos que controlam os setores estratégicos e promover reformas estruturais?”, questionou.
Cortez destacou ainda os riscos associados ao aumento da repressão e à limitação das liberdades civis, citando como exemplo a proposta da nova lei dos meios de comunicação social e as tentativas de controlo das organizações da sociedade civil.
O director-geral do CIP alertou para as consequências de um Estado incapaz de satisfazer as necessidades básicas da sua população, num contexto de rápido crescimento demográfico. “Moçambique tem cerca de 35 milhões de habitantes, e essa população exige mais serviços e mais oportunidades. Se o Estado não for capaz de criá-las, o risco de tensões e conflitos sociais aumenta”, advertiu.
Num tom pessimista, Cortez afirmou temer pelo futuro do país caso não sejam tomadas medidas urgentes. “O futuro de Moçambique é sombrio se o poder político continuar inerte. Vivemos num avião sem comandante, a aproximar-se da aterragem sem que ninguém tome medidas. Se tivesse possibilidades, eu próprio procuraria residência noutro país, porque os sinais atuais não oferecem perspetivas de estabilidade nem de desenvolvimento”, concluiu.