Quando a política mexe nos símbolos da memória colectiva, o risco é que a unidade nacional pague o preço do experimentalismo
A recente proposta de alterar a bandeira nacional de Moçambique reacende um debate que ultrapassa o mero plano estético.
A mudança de um símbolo desta natureza transporta implicações identitárias, políticas e económicas de grande alcancee, na balança do bom senso, os custos parecem superar amplamente os benefícios.
A bandeira de um país não é apenas um pedaço de tecido colorido; é a materialização de uma memória colectiva, um ponto de convergência simbólico onde se reconhecem gerações distintas, com histórias e experiências diversas.
A actual bandeira moçambicana, nascida de um contexto histórico preciso, cristalizou ao longo das décadas um sentimento de pertença e soberania. Substituí-la seria, portanto, abrir espaço para um hiato identitário, uma ruptura com a continuidade simbólica que confere coesão à nação.
Em sociedades plurais e marcadas pela diversidade étnica e regional, como é o caso de Moçambique, o risco de uma nova bandeira não obter a mesma adesão imediata é elevado. Em vez de unir, pode dividir; em vez de representar todos, pode tornar-se um elemento de contestação e estranhamento.
A identidade nacional não se impõe por decreto, constrói-se e sedimenta-se com o tempo, com símbolos que ganham legitimidade pela permanência e pela partilha emocional.
Do ponto de vista prático e económico, a substituição da bandeira acarreta um impacto significativo. Seriam necessários fundos avultados para actualizar documentos oficiais, fardas, edifícios públicos, selos e outros elementos de representação estatal.
Num país que enfrenta desafios estruturais sérios da saúde à educação, das infraestruturas à luta contra a pobreza, canalizar recursos para um exercício simbólico revela-se, no mínimo, desajustado.
Por fim, a dimensão política da proposta não pode ser ignorada. Quando um partido emergente faz desta causa uma bandeira (no sentido literal e figurado), é legítimo questionar se o objectivo é reforçar a coesão nacional ou simplesmente captar atenções num gesto de marketing político.
O risco é que a discussão sobre o essencial, o desenvolvimento, a justiça social, a estabilidade se perca entre debates identitários que, embora simbólicos, têm escassa utilidade imediata para o cidadão comum.
A bandeira, mais do que um símbolo, é uma herança. Alterá-la exige não apenas vontade política, mas sobretudo um consenso social profundo e esse, hoje, parece estar longe de existir.







