Enquanto o debate público em Moçambique gira em torno de mega-projectos, gás, carvão, turismo e grandes infraestruturas, o setor que realmente sustenta o país continua à margem das políticas governamentais.
A agricultura familiar, que alimenta milhões e emprega mais de 70% da população activa, permanece desvalorizada, subfinanciada e sujeita a políticas pouco eficazes.
Em 2024, a agricultura, florestas e pescas representaram cerca de 26,26% do Produto Interno Bruto, bem acima da média mundial de 9,7%. Apesar disso, o Orçamento do Estado destina menos de 6% ao setor, metade do recomendado pela União Africana. Este descompasso evidencia uma clara falta de prioridade e visão estratégica por parte das autoridades.
A realidade da agricultura moçambicana é dura: 99% das explorações são familiares, ocupando entre 96% e 99% da área cultivada, com média de apenas 1,3 a 1,4 hectares por machamba.
Por: Yasser Dadá e João Mosca
São famílias que garantem segurança alimentar, comércio local e estabilidade social, mas vivem expostas a secas, cheias, ciclones e a um conjunto de fragilidades estruturais que o governo ignora há anos.
Enquanto isso, programas agrícolas permanecem fragmentados e centralizados, sem consulta aos produtores, e muitos pequenos agricultores continuam sem acesso a irrigação, crédito, extensão rural ou mercados formais.
A política de “top-down” adotada pelo Estado evidencia uma desconexão total com a realidade do campo e a incapacidade de reconhecer a agricultura familiar como eixo estratégico de desenvolvimento.
Entre abril e setembro de 2024, 2,79 milhões de moçambicanos enfrentaram insegurança alimentar, e 37% das crianças menores de cinco anos sofrem de atraso no crescimento.
Esses números refletem a consequência direta de negligenciar o setor que alimenta o país, enquanto recursos são canalizados para obras de visibilidade imediata, mas pouco impacto social.
O governo precisa compreender que priorizar a agricultura familiar não é caridade: é política económica inteligente.
Investir em extensão rural, irrigação, pesquisa adaptada ao clima, estradas vicinais e organização de produtores aumentaria produtividade, reduziria vulnerabilidade e contribuiria para o crescimento económico inclusivo.
A negligência institucional expõe a população rural a um ciclo permanente de pobreza e desnutrição, enquanto o Estado promove setores que geram estatísticas impressionantes, mas pouco benefício direto para a maioria da população. Se Moçambique deseja segurança alimentar, redução da pobreza e desenvolvimento sustentável, é urgente que o governo transforme a agricultura familiar numa prioridade concreta, com políticas integradas, financiamento adequado e atenção real às necessidades dos produtores que realmente sustentam o país.
A hora de agir é agora. Cada dia de atraso representa milhões de pessoas em risco, crianças desnutridas e famílias presas à vulnerabilidade. O governo deve deixar de tratar a agricultura familiar como setor secundário e reconhecer que o futuro do país depende da valorização daqueles que, silenciosamente, garantem que Moçambique continue a comer.
Se não houver mudanças significativas, a retórica política continuará a glorificar mega-projectos enquanto o coração económico do país – o campo e seus agricultores familiares – definha à margem das prioridades nacionais. A responsabilidade é clara, e a urgência não admite mais adiamentos.
O momento exige ação, coragem política e estratégia. A agricultura familiar não pode mais esperar. É tempo de colocar o setor no centro das políticas públicas, garantir financiamento adequado, infraestrutura, crédito acessível, assistência técnica e inclusão nas cadeias de valor.
Só assim será possível transformar o potencial do setor em resultados concretos para a população e para o país.
Moçambique tem capacidade de ser líder em segurança alimentar e desenvolvimento rural, mas isso exige que o governo deixe de olhar para a agricultura familiar apenas como um elemento marginal, e passe a tratá-la como pilar estratégico de crescimento, nutrição e estabilidade social.
O silêncio do Estado diante da vulnerabilidade do campo é cúmplice da pobreza e da fome. Transformar intenções em ações concretas é imperativo. A hora de agir não é amanhã, é hoje.
O governo precisa mostrar que compreende que a agricultura familiar não é apenas um setor económico: é a base da sobrevivência de milhões, o motor da economia rural e a âncora da estabilidade social. Negligenciá-la compromete todo o futuro do país.
A população rural aguarda por políticas eficazes, investimentos reais e atenção sustentada. Sem isso, a discrepância entre o peso económico da agricultura e os recursos alocados continuará a crescer, ampliando desigualdades e aprofundando a vulnerabilidade.
Se Moçambique pretende cumprir metas de desenvolvimento sustentável e reduzir fome e pobreza, o Estado não pode continuar a investir apenas em setores de alta visibilidade. É imperativo que a agricultura familiar receba atenção proporcional ao seu impacto e contribuição económica.
A transformação do setor exige uma abordagem integrada, com políticas que liguem produção, mercado, nutrição e resiliência climática. Cada hectare cultivado, cada família produtora e cada criança alimentada deve ser parte central da agenda nacional.
O governo tem uma oportunidade histórica de inverter a lógica atual, que privilegia grandes projetos em detrimento do bem-estar da maioria. Esta mudança exigirá compromisso político, planejamento estratégico e financiamento adequado.
É necessário criar mecanismos de participação real dos produtores nas decisões políticas, garantindo que programas agrícolas reflitam as necessidades do campo e não apenas agendas administrativas distantes da realidade local.
O investimento em educação agrícola, capacitação técnica e inovação adaptada ao clima pode aumentar a produtividade, reduzir riscos e melhorar a segurança alimentar. Ignorar isso significa perpetuar vulnerabilidade e dependência.
O fortalecimento de associações e cooperativas de produtores é outra medida crucial. Organizados, os pequenos agricultores podem negociar melhores preços, acessar mercados formais e participar de programas de apoio governamental e internacional.
A agricultura familiar não pode continuar a ser invisível nas estatísticas oficiais. É preciso reconhecer seu papel central na economia, na alimentação e na estabilidade social, transformando essa realidade em políticas concretas e sustentáveis.
O Estado precisa também melhorar infraestrutura básica no campo: estradas vicinais, armazéns, sistemas de irrigação e transporte são essenciais para escoar produção e garantir rentabilidade aos produtores.
O acesso a crédito adaptado, seguro agrícola e serviços financeiros inclusivos é igualmente vital. Sem financiamento adequado, os produtores permanecem presos a ciclos de baixa produtividade e vulnerabilidade climática.
Políticas agrícolas devem ser pensadas de forma integrada com programas de nutrição e combate à pobreza. A produção familiar deve alimentar programas escolares, mercados locais e cadeias de consumo que valorizem o esforço do agricultor.
A negligência prolongada do governo diante da agricultura familiar compromete não apenas a economia rural, mas a estabilidade nacional. Sem ação urgente, milhões continuarão vulneráveis a fome, secas e crises económicas.
É urgente que o Estado reconheça que investir na agricultura familiar é investir em desenvolvimento humano, estabilidade social e segurança alimentar. Não agir é comprometer o futuro de Moçambique.
O momento de transformar intenções em políticas concretas chegou. Priorizar a agricultura familiar não é opção: é uma necessidade estratégica, ética e económica.
O governo tem nas mãos a chance de mostrar que compreende o verdadeiro motor do país. O tempo de subestimar o setor acabou. Moçambique precisa agir agora, ou continuará a ver o campo definhar enquanto setores de visibilidade crescem à custa da maioria.








