A decisão do Governo moçambicano de extinguir o curso nocturno presencial no ensino secundário público, a partir de 2026, abre um novo debate sobre o verdadeiro alcance das reformas educativas e sobre quem ganha e quem perde com a reconfiguração do sistema de ensino.
Ao determinar a transferência obrigatória dos alunos do turno nocturno para o Ensino à Distância, o Executivo apresenta a medida como uma resposta técnica a problemas de custos, segurança e baixo aproveitamento pedagógico, mas evita enfrentar de forma directa as desigualdades sociais que marcaram historicamente o acesso à educação de jovens e adultos trabalhadores.
Durante anos, o curso nocturno funcionou como a principal alternativa para cidadãos que conciliavam o trabalho com os estudos, sobretudo em zonas urbanas e periurbanas, permitindo trajectórias de mobilidade social que dificilmente seriam possíveis noutras modalidades.
A substituição deste modelo pelo Programa de Ensino Secundário à Distância levanta interrogações sobre a capacidade real do país em assegurar condições mínimas de aprendizagem num contexto marcado por fraca conectividade, acesso limitado a equipamentos tecnológicos e elevados índices de exclusão digital.
Embora o Governo destaque a flexibilidade e a eficiência do ensino à distância, especialistas em educação alertam que a autonomia exigida por este modelo pode aprofundar desigualdades, penalizando estudantes com menor apoio familiar, fraca literacia digital e condições económicas precárias.
A aposta nos Centros de Apoio à Aprendizagem surge como tentativa de mitigar estas fragilidades, mas a experiência acumulada em várias províncias mostra que a cobertura destes centros permanece desigual e, em muitos casos, insuficiente para responder à procura crescente.
Mais do que uma simples reorganização administrativa, a decisão reflecte uma opção política sobre como o Estado entende o direito à educação, transferindo para o indivíduo uma maior responsabilidade num sistema que ainda não garante igualdade de condições à partida.
Num país onde o ensino continua a ser um dos principais instrumentos de combate à pobreza, a eliminação do curso nocturno presencial coloca o desafio de assegurar que a modernização não se traduza em exclusão silenciosa de milhares de moçambicanos que sempre encontraram na noite a única porta aberta para estudar.







