O Núcleo Nacional dos Estudantes de Medicina das universidades públicas de Moçambique voltou a pronunciar-se, esta segunda-feira, contra a revogação do Decreto n.º 58/2004, decisão tomada recentemente pelo Conselho de Ministros e que põe fim ao pagamento de subsídios aos estudantes finalistas de Medicina durante os estágios clínicos em unidades sanitárias públicas.
O posicionamento dos estudantes foi tornado público numa declaração feita em frente ao edifício do Ministério da Saúde, em Maputo, logo após a entrega formal do documento àquela instituição. Segundo os representantes, o objetivo é pressionar o governo a abrir, com urgência, um canal de diálogo directo com os estudantes, visando encontrar soluções sustentáveis e justas.
Na ocasião, o porta-voz do movimento, Isidro Felipe, afirmou que a medida representa um grave retrocesso na valorização da formação médica no país e enfraquece ainda mais o Sistema Nacional de Saúde, que já enfrenta escassez crónica de profissionais. “Estamos aqui para apresentar o nosso posicionamento em relação à revogação da Lei 58/2004, que conferia o pagamento de um subsídio aos estudantes finalistas de Medicina”, declarou. Para ele, o subsídio representava não apenas um alívio financeiro para os estudantes, mas também uma política pública estratégica de apoio à saúde pública.
Durante mais de duas décadas, os estudantes do último ano do curso de Medicina beneficiaram-se de um apoio equivalente a 80% do salário de ingresso de um médico generalista, acrescido de bônus e outras regalias. “Este subsídio nos permitia cobrir despesas básicas como alimentação durante turnos extensos, transporte até às unidades sanitárias e aquisição de material de proteção individual, muitas vezes inexistente nos hospitais”, explicou Felipe.
Os estudantes alegam que foram apanhados de surpresa, sem qualquer aviso prévio. “Ficámos a saber da revogação através do comunicado de imprensa emitido pelo Conselho de Ministros. A partir daí, reunimo-nos e procurámos assessoria jurídica para entender os nossos direitos”, disse o porta-voz. Para além de prejudicar a formação médica, os estudantes argumentam que a medida viola diversos dispositivos legais nacionais e internacionais que garantem o direito à remuneração em situações de estágio produtivo e de longa duração.
Entre os argumentos apresentados está o Decreto 95/2021, que estabelece a obrigatoriedade de remuneração para estágios com duração superior a seis meses, o Código do Trabalho, que proíbe o trabalho gratuito, bem como convenções da Organização Internacional do Trabalho e a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consagram o direito a condições de trabalho dignas e salário justo.
Outro ponto destacado pelos estudantes é a falta de clareza institucional quanto à responsabilidade pela decisão. “O Ministério da Saúde diz que é da alçada do Ministério da Educação, e este, por sua vez, remete novamente ao Ministério da Saúde. Por isso, submetemos o nosso parecer também ao Gabinete do Primeiro-Ministro, que tem a tutela sobre ambos os ministérios”, afirmou Felipe.
O movimento estudantil alerta ainda para os efeitos práticos da revogação. Sem o subsídio, muitos estudantes podem não conseguir completar o estágio, o que poderá levar ao aumento do abandono académico e à desmotivação generalizada. “Estamos a falar de um impacto directo na qualidade da formação médica e, por consequência, no atendimento à população”, afirmou.
Isidro Felipe reforçou o apelo à abertura imediata de um espaço de diálogo entre os representantes dos estudantes e as autoridades. “Pedimos um diálogo construtivo, transparente e urgente. Acreditamos que, com vontade política e escuta ativa, é possível respeitar os direitos dos estudantes, valorizar a formação médica e fortalecer o sistema nacional de saúde”, concluiu.
O Núcleo Nacional dos Estudantes de Medicina e as organizações estudantis que o integram garantem que continuarão mobilizados, atentos e firmes na defesa da educação pública de qualidade e do direito dos estudantes à formação digna.