O líder da oposição e ex-candidato presidencial, Venâncio Mondlane, saiu hoje da Procuradoria Geral da República com uma mensagem clara: “Agora sabemos, finalmente, de que me acusam.” Após meses de silêncio judicial e de um processo mantido sob segredo, o Ministério Público formalizou, hoje (22), a acusação contra Mondlane, que agora enfrenta cinco crimes, incluindo instigação ao terrorismo.
Num discurso firme e carregado de simbolismo político, Venâncio Mondlane considerou esta nova fase como “o momento mais importante” do processo, sublinhando que a formalização da acusação permite que os factos deixem de estar escondidos atrás do segredo de justiça. “A partir de agora, os documentos e provas podem ser tornados públicos. Isso é libertador. É a verdade a caminho do tribunal.”
Pela primeira vez, foram revelados os crimes de que é acusado: apologia pública ao crime, incitamento à desobediência política, instigação pública à prática de crime, instigação ao terrorismo e incitamento ao terrorismo. Estas acusações constam no Código Penal moçambicano e em legislação antiterrorismo recentemente reforçada pelo Governo. “É surreal. Chegámos ao ponto em que questionar eleições virou terrorismo”, ironizou Mondlane, ao anunciar que partilhará o conteúdo completo da acusação nos próximos dois dias, após análise jurídica da sua equipa.
Além das acusações, Mondlane usou o momento para fazer revelações explosivas sobre as negociações políticas realizadas nos bastidores da crise pós-eleitoral. Recorde-se que as eleições gerais de 9 de outubro de 2024 foram seguidas por uma onda de contestação popular, alegações de fraude e repressão violenta. Mondlane, que se viu forçado ao exílio durante três meses, revelou que participou em duas sessões secretas de diálogo com Daniel Chapo, o candidato declarado vencedor pelo Conselho Constitucional.
Esses encontros, que decorreram a 23 de Março e 20 de Maio de 2025, resultaram num acordo político dividido em seis pontos essenciais. O primeiro ponto determinava o fim de todas as formas de violência entre o povo e as autoridades. Ambos os líderes comprometiam-se a apelar publicamente à calma. Mondlane cumpriu. A contraparte, segundo ele, manteve-se em silêncio.
O segundo ponto previa acesso gratuito à assistência médica para cerca de dois mil manifestantes feridos pelas Forças de Defesa e Segurança. O terceiro abordava compensações para as famílias das vítimas mortais das manifestações. No quarto ponto, discutiu-se a libertação de mais de quatro mil cidadãos detidos durante os protestos, estando ainda em aberto se essa libertação se dará por amnistia ou indulto.
O quinto ponto do acordo previa a legalização do partido político liderado por Mondlane, garantindo-lhe e aos seus apoiantes um espaço formal de participação política. Por fim, no sexto ponto, as partes discutiram a integração de quadros do projeto político de Mondlane na Comissão Técnica para o Diálogo Nacional e Inclusivo, recentemente criada.
Mondlane fez questão de destacar que estas negociações foram testemunhadas por membros da sociedade civil. Entre eles, Severino Ngoenha, reitor da Universidade Técnica de Moçambique, que liderou o grupo de facilitadores, e um ex-dirigente público de elevado perfil político.
Ao terminar a declaração, Venâncio Mondlane lançou um apelo à sociedade moçambicana e à comunidade internacional para que acompanhem este processo de perto. “Não é só sobre mim. É sobre o estado da nossa democracia. É sobre criminalizar o dissenso e transformar líderes da oposição em alvos políticos.”
O julgamento que se avizinha poderá vir a ser um dos mais mediáticos e politicamente sensíveis da história recente de Moçambique.