A especialista Moçambicana em governação local Sónia Chone, critica o uso da descentralização como ferramenta de acomodação política, em vez de mecanismo de eficiência e serviço público. Chone falava nesta nesta quarta-feira (23) de julho, durante a divulgação do Relatório Preliminar dos Resultados da Pesquisa sobre a Experiência do Primeiro Ciclo de Governação Descentralizada Provincial (2020 – 2024).
A descentralização, em vez de aproximar o poder do cidadão, está a ser instrumentalizada para beneficiar elites políticas, denuncia Sónia Chone, especialista em administração pública.
Num contexto em que vários países africanos, incluindo Angola, promovem reformas de transferência de competências para as autarquias, a académica alerta que o processo tem servido mais para criar cargos e favorecer aliados partidários do que para melhorar serviços básicos.
“O discurso oficial fala em autonomia local, mas na prática, o que vemos é a replicação de estruturas centralizadas, agora fragmentadas em pequenos feudos políticos”, afirma Chone. A especialista aponta casos em que municípios receberam mais verbas para nomear gestores ligados a partidos, sem critérios técnicos, enquanto hospitais e escolas continuam subfinanciados.
O fenómeno não é exclusivo de um país, mas reflete um padrão em nações onde a descentralização avança sem transparência ou participação popular. “Há uma falsa narrativa de empoderamento das comunidades, quando, na realidade, os recursos e decisões permanecem controlados por grupos restritos”, explica.
Chone destaca que, em vez de descentralização democrática, muitos governos implementam uma “desconcentração administrativa”, onde o poder central mantém o controle através de indicações políticas. “Não adianta transferir serviços se as populações não tiverem voz ativa na escolha dos gestores ou na fiscalização”, sublinha.
A especialista defende que, sem mecanismos de prestação de contas e sem investimento em capacitação local, o modelo actual só ampliará desigualdades. “Quando um administrador municipal é escolhido por lealdade e não por mérito, o resultado é má gestão e desperdício”, afirma.
Como solução, Chone propõe a criação de conselhos municipais independentes, com participação de universidades e sociedade civil, para monitorizar a aplicação de fundos. “A descentralização só cumpre seu propósito se for acompanhada de transparência e cobrança efectiva”, conclui.
Enquanto isso, cidadãos de várias províncias queixam-se de que a promessa de maior eficiência não saiu do papel. “Dizem que o poder está mais perto do povo, mas na hora de exigir estradas ou medicamentos, ainda dependemos da capital”, desabafa um morador do interior, sob anonimato. O desafio, segundo Chone, é romper com a cultura de centralismo disfarçado – ou a descentralização continuará a ser um projeto de fachada.







