Nova proposta procura travar conflitos comunitários e alinhar a exploração com padrões sustentáveis
A proposta de revisão da Lei de Minas, que deverá ser submetida à Assembleia da República até Dezembro próximo, surge como uma resposta directa à crescente pressão social, ambiental e institucional sobre o actual modelo de exploração mineira em Moçambique.
A intensificação das actividades de extracção nos últimos anos tem exposto falhas no quadro legal vigente, nomeadamente na gestão de conflitos com comunidades, fiscalização deficiente, fraca partilha de benefícios e ausência de salvaguardas ambientais eficazes.
A directora de Assuntos Jurídicos do Instituto Nacional de Minas (INAMI), Elsa Alfaia, reconheceu, durante uma apresentação pública em Maputo (28) de Julho, que a nova proposta visa colmatar lacunas existentes e estabelecer um equilíbrio entre os interesses económicos, sociais e ambientais.
Nos últimos cinco anos, diversas comunidades afectadas por projectos mineiros têm denunciado deslocações forçadas, poluição, perda de terras agrícolas e fraco acesso a compensações justas, situações que alimentam tensões e descrença nos benefícios da mineração.
Activistas e organizações da sociedade civil têm exigido maior clareza nos critérios de concessão de licenças, assim como transparência na distribuição das receitas provenientes da exploração dos recursos naturais.
É neste contexto que a proposta de nova lei pretende introduzir cláusulas mais rigorosas de consulta pública, participação comunitária e obrigações sociais para as empresas mineiras, como condição prévia à atribuição de títulos.
Outra medida destacada é a obrigatoriedade de divulgar os beneficiários efectivos das empresas envolvidas no sector, num esforço para combater práticas ilícitas como a evasão fiscal, a corrupção e o branqueamento de capitais.
A proposta inclui ainda a possibilidade de licenciamento online e eliminação das zonas de Senha Mineira, instrumentos que, segundo alguns especialistas, eram frequentemente usados para manipulação e especulação de áreas ricas em minerais.
A introdução da Licença de Retenção, prevista no novo pacote legal, pretende permitir que as empresas que descobriram depósitos promissores tenham tempo para aprofundar estudos, sem perder o direito sobre a área, mas também coloca o desafio da fiscalização rigorosa para evitar estagnação de projectos.
Vários analistas alertam que, se não for acompanhada de mecanismos de fiscalização independentes e envolvimento efectivo das comunidades, a nova lei corre o risco de repetir os erros do passado com roupagem legal mais moderna.
Por outro lado, representantes do governo garantem que o novo diploma será amplamente discutido com operadores, académicos, líderes locais e organizações cívicas, antes da sua aprovação final no parlamento.
“É importante que esta nova lei não seja apenas para investidores, mas também para proteger os cidadãos, as comunidades e os interesses colectivos de Moçambique”, defende o jurista Hélder Mucavele, especialista em direito mineiro.
A revisão da Lei de Minas insere-se numa fase crítica da história extractiva do país, marcada por interesses geoestratégicos crescentes sobre grafite, lítio, ouro e outros minérios de alto valor, colocando Moçambique sob os holofotes internacionais.
A proposta, ainda em debate técnico, será um teste ao compromisso do Estado com uma exploração justa e responsável dos seus recursos naturais, num momento em que o país busca afirmar-se como destino confiável e transparente para investimentos.
Mais do que um mero exercício legislativo, a revisão poderá redefinir a relação entre o Estado, as empresas e os cidadãos no acesso e gestão das riquezas do subsolo moçambicano.