O artista plástico moçambicano Naguib carrega, há mais de 15 anos, uma ferida aberta que traduz a relação frágil entre instituições e criadores no país.
O autor falava recentemente durante uma entrevista num podcast, onde revelou que, após ter realizado o mural da fachada do edifício do Campus da Universidade Pedagógica, em Maputo, nunca recebeu o pagamento pelo trabalho. “Foi um esforço que fiz com dedicação, mas o reconhecimento nunca chegou”, lamenta, recordando a indiferença da instituição ao longo dos anos.
O mural, que ainda hoje embeleza a fachada da universidade, tornou-se símbolo de uma contradição: a obra permanece visível, mas o seu autor foi relegado ao esquecimento. Para muitos colegas, a história de Naguib não é um caso isolado, mas sim um retrato do tratamento dado aos artistas no país.
As queixas da classe são recorrentes. Muitos artistas afirmam que prestam serviços, participam em eventos culturais e até em campanhas de promoção institucional, mas frequentemente ficam sem receber os valores acordados. O caso de Naguib tornou-se emblemático pela longevidade da injustiça e pela dimensão da obra.
Ao lado deste testemunho, surgem também vozes literárias que reforçam a crítica. O escritor John Kanumbo, em entrevista ao Isocnews, foi direto ao denunciar o aproveitamento político da arte. “O artista é valorizado quando os políticos querem benefícios, para anúncios nos tempos da campanha, mas quando acaba, são esquecidos”, afirmou.
Kanumbo sublinha que a falta de valorização não se limita a episódios pontuais, mas constitui uma prática sistemática. Os artistas são chamados em momentos de visibilidade, sobretudo para dar brilho a agendas eleitorais, mas depois voltam a ser ignorados quando pedem reconhecimento ou condições de trabalho dignas.
A denúncia de Naguib e os comentários de Kanumbo convergem num ponto central: a precariedade estrutural que marca a vida dos criadores moçambicanos. Sem contratos sólidos, com pagamentos incertos e reconhecimento quase inexistente, muitos acabam por depender de atividades paralelas para sobreviver.
Especialistas culturais alertam que a ausência de políticas públicas consistentes para o sector agrava o problema. Sem mecanismos claros de proteção e valorização, artistas ficam à mercê da informalidade e da boa vontade de contratantes, muitas vezes resultando em abusos como o vivido por Naguib.
As histórias agora reveladas servem como espelho da difícil realidade cultural em Moçambique. Ao mesmo tempo, levantam uma questão urgente: até quando os artistas continuarão a ser usados e descartados sem que se estabeleça um sistema que garanta dignidade e respeito ao seu trabalho?
Enquanto a resposta não chega, murais permanecem sem autor reconhecido e vozes como a de Kanumbo ecoam no vazio, lembrando que a cultura não pode continuar a ser apenas moeda de troca política, mas precisa de ser entendida como património vivo da nação.