O desaparecimento de cerca de 33 milhões de dólares norte-americanos, que deveriam estar depositados no Fundo Soberano de Moçambique, voltou a acender o debate sobre a transparência na gestão dos recursos públicos e o grau de responsabilização das instituições estatais. O caso, revelado recentemente pelo Tribunal Administrativo, está a gerar preocupação entre economistas, analistas e organizações da sociedade civil.
O Fundo Soberano foi criado com o propósito de garantir uma gestão sustentável das receitas provenientes dos recursos naturais, em benefício das gerações futuras. Contudo, o relatório do Tribunal Administrativo trouxe à tona discrepâncias entre os valores anunciados pelo governo e os efetivamente registados, lançando dúvidas sobre o destino dos montantes declarados.
De acordo com o relatório, o valor de 33 milhões de dólares, que o Executivo dizia ter reservado em 2023, não aparece registado em nenhuma conta oficial. A ausência de documentação financeira que comprove a existência desses fundos está no centro da controvérsia.
A especialista em finanças públicas Fátima Mimbire, numa conversa com o Isocnews, nesta quarta-feira, em Maputo (22) de Outubro, considera que a situação “levanta sérias questões sobre a transparência e a credibilidade do governo”. Para a ativista, “se não existe uma conta específica do Fundo Soberano, é difícil compreender como o governo afirmou ter guardado o dinheiro”.
Mimbire defende que este episódio deve servir de ponto de partida para um processo de esclarecimento detalhado. “É importante que o Executivo venha a público explicar o destino dos recursos, se foram utilizados, e em que contexto. O país enfrenta desafios financeiros sérios, e a clareza na comunicação é essencial para manter a confiança pública”, acrescentou.
Há quem acredite que parte dos fundos possa ter sido usada para cobrir despesas correntes do Estado, como o pagamento de salários ou a amortização de dívidas internas e externas. No entanto, o facto de isso não estar devidamente documentado preocupa especialistas, que alertam para a necessidade de uma maior disciplina orçamental.
Analistas sublinham que a relação entre o governo e o Banco de Moçambique precisa ser revista, de forma a garantir uma separação clara entre as responsabilidades de gestão monetária e as decisões políticas. “A supervisão e a fiscalização contínuas são fundamentais para evitar práticas que possam comprometer a estabilidade económica do país”, referem.
O caso também reacende discussões sobre a forma como o Estado comunica as suas decisões financeiras. Para vários observadores, a falta de informação clara e acessível sobre a execução orçamental cria espaço para desconfiança e especulações. A transparência, defendem, deve ser vista como uma obrigação institucional e não apenas como um gesto político.
Organizações da sociedade civil têm apelado para que o Tribunal Administrativo e o Parlamento aprofundem as investigações, de modo a garantir que todas as informações sobre o Fundo Soberano sejam publicadas e auditadas. “O país precisa de um processo de escrutínio independente que permita saber o que realmente aconteceu com esses recursos”, afirmou Mimbire.
Para alguns economistas, o episódio representa uma oportunidade para fortalecer os mecanismos de controlo interno e aprimorar as políticas de gestão financeira pública. “As lições deste caso podem ajudar o Estado a corrigir falhas e a criar um modelo mais rigoroso e transparente de administração dos fundos públicos”, disse um analista ouvido pelo jornal.
Apesar do impacto negativo na opinião pública, há quem veja este debate como um passo positivo, pois demonstra que as instituições de fiscalização estão a exercer o seu papel de vigilância. O Tribunal Administrativo, ao levantar o tema, trouxe à luz um assunto de grande relevância para a confiança nas contas do Estado.
O governo ainda não apresentou uma explicação formal sobre as divergências apontadas, mas fontes oficiais indicam que poderão ser divulgados esclarecimentos adicionais nos próximos dias.
Enquanto isso, a sociedade civil e os cidadãos aguardam respostas concretas. O caso do Fundo Soberano tornou-se um símbolo do desafio permanente de conciliar gestão pública, transparência e responsabilidade política em Moçambique.