A Cidade de Maputo foi palco, nesta quarta-feira, de uma formação de carácter técnico e social, centrada na promoção da igualdade de género, inclusão social e combate à violência baseada no género (VBG). A iniciativa decorre no âmbito da implementação do “Projecto Água Segura para Vilas e Zonas Rurais”, e reuniu especialistas, representantes institucionais, técnicos e parceiros de desenvolvimento, num espaço de reflexão, partilha de experiências e capacitação sobre estas temáticas emergentes e transversais ao desenvolvimento sustentável.
A sessão teve como objectivo central aprofundar conhecimentos e práticas relacionadas com a prevenção da exploração e abuso sexual, o combate ao assédio sexual, o empoderamento feminino e a promoção da igualdade de género nas comunidades beneficiárias do projecto. Foram ainda discutidos mecanismos de envolvimento masculino nas dinâmicas de género e estratégias para reforçar a inclusão social em todas as fases do ciclo do projecto.
A formação, que contou com cerca de 70 participantes – sendo 20 em regime presencial e 50 em formato virtual –, foi dirigida a técnicos dos governos locais, empreiteiros, fiscais de obras, membros das equipas de salvaguardas ambientais e sociais, bem como representantes institucionais oriundos de províncias como Nampula, Zambézia, Tete, Quelimane e Maputo.
Projecto Água Segura: acesso digno à água e saneamento com inclusão
O Projecto Água Segura é uma iniciativa do Governo de Moçambique, sob a liderança do Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, com coordenação técnica da Direcção Nacional de Abastecimento de Água e Saneamento (DNAAS) e da Administração de Infra-estruturas de Água e Saneamento (AIAS). O projecto conta com financiamento do Banco Mundial e tem como finalidade assegurar o acesso a água potável segura, serviços de saneamento dignos e sustentáveis para milhares de habitantes das províncias da Zambézia e Nampula, com foco especial nas zonas rurais e periurbanas mais vulneráveis.
Actualmente, decorrem obras em vários pontos da província de Nampula, incluindo a construção de novos sistemas de abastecimento de água, reabilitação de infra-estruturas antigas, e acções paralelas de sensibilização comunitária. Estas actividades são implementadas com atenção especial à inclusão social, à mitigação de riscos sociais e à protecção de grupos vulneráveis, com particular enfoque nas mulheres, crianças e pessoas com deficiência.
Género e Sustentabilidade: protagonistas da mudança
Durante a formação, foi apresentado o modelo GALS – Gender Action Learning System (Sistema de Aprendizagem em Acção de Género), uma abordagem participativa que visa transformar relações de poder desiguais em comunidades, promovendo o planeamento familiar e económico inclusivo e sustentável. Esta metodologia tem sido amplamente utilizada em contextos rurais africanos como ferramenta de empoderamento social, com resultados positivos na redução da violência de género e na melhoria das condições de vida.
Na ocasião, a especialista Helena Zefanias Lowe, com mais de 30 anos de experiência em matérias de género e desenvolvimento comunitário, sublinhou a importância da sustentabilidade dos projectos nas comunidades. “Não basta construir sistemas de água. É preciso garantir que as mulheres e os homens se apropriem desses sistemas, que saibam geri-los de forma justa e que todos, sobretudo os grupos mais marginalizados, sejam envolvidos no processo desde o início”, defendeu Lowe.
Por sua vez, o também especialista Constantino Júnior abordou a importância do engajamento masculino como elemento-chave para o sucesso das políticas de género. Destacou ainda o papel do “xitique” – sistema informal de poupança rotativa – como ferramenta de empoderamento económico e inclusão social. Segundo Constantino, o xitique tem permitido a muitas mulheres o acesso a recursos financeiros, promovendo a autonomia, solidariedade comunitária e capacidade de investimento, mesmo em contextos de fragilidade económica.
Financiadores e instituições reforçam compromisso
O Banco Mundial, enquanto principal financiador do projecto, também participou activamente na formação, através da apresentação de linhas orientadoras internacionais para a integração da perspectiva de género nos projectos de infra-estruturas. A instituição enfatizou que os projectos de água e saneamento devem ser concebidos não apenas como obras físicas, mas como catalisadores de transformação social, devendo incorporar planos de acção específicos para combater todas as formas de violência e exclusão social.
Os representantes das Direcções Provinciais de Obras Públicas, bem como técnicos municipais e parceiros de implementação, demonstraram elevado interesse em replicar as práticas discutidas durante a formação nos seus respectivos contextos. A troca de experiências interprovincial permitiu identificar boas práticas e desafios comuns, reforçando o compromisso colectivo com uma abordagem mais humana, inclusiva e sustentável no sector de água e saneamento.
Violência baseada no género: um obstáculo ao desenvolvimento
A violência baseada no género continua a ser um dos maiores entraves ao desenvolvimento inclusivo em Moçambique. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), mais de 30% das mulheres moçambicanas já sofreram algum tipo de violência física, sexual ou psicológica ao longo da vida. Em zonas rurais, os índices tendem a ser ainda mais elevados, devido à persistência de normas sociais discriminatórias, à fraca presença institucional e ao limitado acesso a serviços de apoio e protecção.
Nesse contexto, integrar acções de prevenção e resposta à VBG nos projectos de desenvolvimento é uma medida não apenas ética, mas estratégica. Ao criar ambientes seguros e acolhedores para as mulheres e raparigas, as comunidades tornam-se mais resilientes, saudáveis e produtivas.
Caminho para o futuro
Com formações como esta, o Governo de Moçambique e os seus parceiros dão um passo firme na direcção de um desenvolvimento inclusivo, onde o acesso à água potável e ao saneamento é acompanhado por políticas que promovem a equidade, o respeito aos direitos humanos e a justiça social.
O Projecto Água Segura para Vilas e Zonas Rurais reforça, assim, o seu duplo compromisso: com a infraestrutura física, que melhora directamente a qualidade de vida das populações, e com a infraestrutura social, que transforma mentalidades, comportamentos e relações de poder nas comunidades.