Por Redacção | Maputo
O Presidente da República de Moçambique, Daniel Francisco Chapo, apelou nesta terça-feira, (17) a uma mobilização continental robusta e coordenada para restaurar terras degradadas e combater os efeitos devastadores da seca e da desertificação que assolam o continente africano.
A intervenção do Chefe de Estado teve lugar num webinar promovido pela União Africana (UA), por ocasião do Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, celebrado este ano sob o lema “Restaurar a Terra. Desbloquear as Oportunidades.”
Durante o seu discurso, proferido a partir de Maputo, Chapo descreveu a data como particularmente significativa para o continente africano, sublinhando que os efeitos acumulados das alterações climáticas, da degradação dos solos e da má gestão ambiental representam hoje ameaças sérias à soberania alimentar, estabilidade social e desenvolvimento económico sustentável de África.
“Esta celebração, do ano de 2025, reveste-se de um significado especial para África”, afirmou o estadista, reforçando o papel estratégico de iniciativas como a Grande Muralha Verde, que classificou como um programa emblemático, estruturado para conter o avanço da desertificação, mitigar os efeitos das mudanças climáticas e revitalizar solos degradados, particularmente na região do Sahel.
Seca extrema e impactos devastadores: El Niño e a vulnerabilidade africana
No centro da intervenção do Presidente moçambicano esteve a análise das consequências devastadoras do fenómeno El Niño que assolou a África Austral entre 2023 e 2024. Classificado por especialistas como um dos mais severos da história recente, o fenómeno provocou perdas maciças de gado, colapso da agricultura de subsistência, escassez de água, fome aguda, desnutrição infantil e recessão económica generalizada.
“Mais de 30 milhões de pessoas, em toda a região, foram afectadas, enfrentando fome aguda, desnutrição e necessidades humanitárias crescentes”, alertou o Chefe de Estado.
A crise não poupou o resto do continente. O Presidente Chapo sublinhou que a região do Grande Corno de África sofreu igualmente impactos severos, com as piores secas das últimas décadas. A Somália, por exemplo, viu-se confrontada com o deslocamento de mais de um milhão de pessoas só no ano de 2022, vítimas da seca extrema, associada a surtos de doenças como cólera e sarampo, num contexto de desnutrição severa entre crianças.
Estes fenómenos, frequentemente cíclicos e exacerbados pelas alterações climáticas, tornam-se desastres humanitários e económicos crónicos, com efeitos estruturais prolongados sobre os sistemas agrícolas, os meios de subsistência e a resiliência socioeconómica dos países africanos.
Outro foco central da intervenção presidencial foi a desertificação galopante em África, fenómeno ambiental que afecta já 45% do território do continente e ameaça 65% das terras aráveis, segundo dados partilhados durante o encontro da União Africana.
“À medida que as terras férteis se tornam improdutivas, as consequências são graves: insegurança alimentar, conflitos pelos recursos e deslocações massivas causadas pela fome e pela pobreza”, advertiu Chapo, também Campeão da UA para a Gestão do Risco de Desastres.
Com um continente em crescimento populacional acelerado, a pressão sobre os recursos naturais, particularmente a terra e a água, é cada vez maior. A degradação dos solos acentua a fragilidade económica das populações rurais, cuja sobrevivência depende, em grande parte, da agricultura de pequena escala. Este quadro torna a luta contra a desertificação não apenas uma questão ambiental, mas uma prioridade económica e humanitária.
Apesar do cenário desafiante, o Presidente moçambicano preferiu realçar uma visão de esperança, argumentando que a restauração de terras degradadas pode ser transformada em fonte de oportunidades económicas, criação de empregos e regeneração ambiental.
“Este não tem de ser o destino de África — ainda há esperança e um caminho a seguir”, afirmou. “Restaurar a terra é também uma oportunidade económica e social”, prosseguiu, sublinhando que a acção concertada pode reduzir a migração forçada, revitalizar ecossistemas, e garantir a segurança alimentar das futuras gerações.
Neste contexto, o Chefe de Estado moçambicano destacou mecanismos financeiros e políticos inovadores, como os seguros soberanos contra a seca e as acções antecipatórias, como instrumentos fundamentais para aumentar a resiliência dos Estados africanos perante os riscos climáticos. Defendeu também o reforço de investimentos em programas transnacionais e estruturantes, como:
- A Grande Muralha Verde, uma cintura verde de cerca de 8 mil quilómetros entre Dakar (Senegal) e Djibuti, que visa combater o avanço do deserto do Saara;
- Os projectos de gestão integrada da Floresta do Miombo, que cobre grande parte da África Austral, incluindo Moçambique, Angola, Tanzânia e Zâmbia;
- A conservação e uso sustentável da Floresta Tropical da Bacia do Congo, um dos principais pulmões do planeta.
O evento, que reuniu representantes dos Estados-membros da União Africana, dirigentes das Comunidades Económicas Regionais, parceiros internacionais de desenvolvimento e o Secretário-Executivo da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), destacou a necessidade urgente de cooperação regional, mobilização de recursos, e implementação de políticas públicas coerentes e eficazes.
O Presidente Chapo terminou a sua intervenção com um apelo forte à unidade continental:
“Unamo-nos para restaurar as terras de África — e, com elas, abrir caminho para um futuro de dignidade, estabilidade e oportunidades para todos.”
Encorajou os presentes a aproveitar o webinar como ponto de partida para um reforço da coordenação transfronteiriça, regional e continental, com base em evidências científicas, boas práticas e inovação tecnológica ao serviço da resiliência climática.
Moçambique, país altamente vulnerável às alterações climáticas, enfrenta há anos desafios relacionados com a desertificação progressiva em várias regiões do seu território, particularmente no Centro e Sul do país, onde eventos climáticos extremos como ciclones, secas prolongadas e cheias repentinas têm colocado à prova a capacidade de resposta do Estado e das comunidades locais.
Ao mesmo tempo, o país tem procurado integrar princípios de economia verde e desenvolvimento sustentável nas suas políticas públicas, com destaque para:
- A Estratégia Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (2018–2030);
- O Plano Nacional de Gestão Integrada da Água;
- A criação de zonas de conservação e reflorestamento comunitário.
Para muitos analistas, a mensagem do Presidente Chapo representa um posicionamento assertivo de liderança continental, ao mesmo tempo em que reforça o compromisso interno com uma transição para uma economia resiliente, sustentável e inclusiva.
Com a celebração dos 50 anos da Independência Nacional à porta, o Governo moçambicano poderá encontrar nesta causa climática um eixo mobilizador de políticas públicas de impacto, que conjuguem soberania alimentar, inclusão social e protecção ambiental.
O apelo lançado por Daniel Chapo vai muito além de uma simples retórica ambiental: trata-se de uma convocatória para repensar o modelo de desenvolvimento africano, centrando-o na gestão sustentável dos recursos naturais como chave para combater a pobreza, conter migrações forçadas e gerar estabilidade socioeconómica. Numa altura em que o continente enfrenta pressões simultâneas do crescimento populacional, das alterações climáticas e da insegurança alimentar, restaurar a terra deixou de ser uma opção — tornou-se uma urgência estratégica.
Moçambique, ao elevar a sua voz neste palco continental, assume um papel que poderá consolidar a sua liderança africana em matéria de gestão do risco climático, ao mesmo tempo que procura construir, com os demais países, um futuro mais justo, verde e resiliente para as próximas gerações.