O administrador do distrito de Macomia, uma das regiões mais afetadas pela insurgência em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, afirmou na tarde desta quinta-feira (26) que as autoridades locais não têm conhecimento de casos de rapto ou recrutamento de crianças por grupos extremistas.
“Não, nós, como governo do distrito, não temos essa informação sobre raptos de crianças. Talvez a ONU tenha as suas fontes, mas da nossa parte não temos esse registo”, declarou Tomás Badae, administrador de Macomia, em declarações aos jornalistas.
A reação surge após um alerta feito pela Human Rights Watch (HRW), que na terça-feira denunciou o aumento dos raptos de crianças na província, destacando que muitas são forçadas a realizar trabalhos pesados, casar ou até participar nos confrontos. A organização apelou ao Governo moçambicano para que tome medidas urgentes.
“O aumento dos sequestros de crianças em Cabo Delgado só agrava os horrores vividos neste conflito. A Al-Shebab deve parar de envolver menores na guerra e libertar imediatamente os que estão sob seu controlo”, afirmou Ashwanee Budoo-Scholtz, diretora-adjunta da HRW para África, citada num comunicado da ONG.
A HRW indica que os rebeldes ligados ao Estado Islâmico têm sequestrado crianças para transportar bens saqueados, realizar trabalhos forçados, casamentos forçados e até combater. Além disso, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), muitas das crianças que conseguem ser libertadas enfrentam sérias dificuldades para se reintegrar nas suas comunidades.
Um novo relatório da ONU sobre crianças em conflitos armados revela que Moçambique registou, em 2024, o segundo maior aumento percentual (525%) de violações graves contra crianças, ficando atrás apenas do Líbano (545%). Seguem-se Haiti (490%), Etiópia (235%) e Ucrânia (105%).
No capítulo dedicado a Cabo Delgado, o relatório aponta que a ONU confirmou 954 violações graves cometidas contra 507 menores (402 rapazes e 105 raparigas), além de uma violação cometida em 2023, mas verificada apenas no ano seguinte.
Entre os abusos confirmados estão o recrutamento e uso de 403 crianças por grupos armados e a detenção de 51 menores, 49 pela Polícia da República de Moçambique e 2 pelas Forças de Defesa do Ruanda por suspeita de ligação a grupos insurgentes.
A ONU também verificou o assassinato de 32 crianças e a mutilação de outras 12, atribuídos a autores não identificados (22 casos), grupos armados (15) e às Forças Armadas de Defesa de Moçambique (7). Dezassete destas mortes foram causadas por engenhos explosivos.
No total, a ONU confirmou o rapto de 468 crianças em 2023, muitas das quais terão sido levadas para fins de recrutamento. Apenas 11 foram libertadas.
Já em 2024, pelo menos 349 pessoas morreram em ataques de grupos extremistas islâmicos em Cabo Delgado, um aumento de 36% em comparação com o ano anterior, de acordo com dados do Centro de Estudos Estratégicos de África, uma entidade do Departamento de Defesa dos EUA especializada na análise de conflitos no continente africano.