Opinião
Por Régio Conrado- Analista Político
Para quem acompanha Moçambique muito atentamente, consegue, com alguma severidade, constatar que o sentimento patriótico de muitos jovens está ou diluído ou difuso. Fica outrossim ostensivo um comportamento amnésico em relação à História Nacional, à violência extrema do sistema colonial e às tentativas de neocolonização efectiva de Moçambique. As causas para esse estado de coisas são variegadas. Não sendo o fito deste texto, limitar-me-ei apenas a expor a minha reflexão sobre o significado do amor que devemos ter ao nosso país, e, certamente, as implicações que isso tem na vida de cada um dos moçambicanos. Não pretendo ser peremptório, porém ser um elemento que levanta a possibilidade de uma atitude mais reflexiva sobre a necessidade de recolocarmos o patriotismo no centro da construção nacional, em especial nas gerações mais jovens de que sou parte integrante.
Na teia intrincada da nossa parca existência, onde o ser humano, como ser delimitado, se debate entre o imediato e o eterno, entre o tangível das agruras existenciais e o invisível da dignidade, emerge, com o protocolo solene de uma revelação ancestral, a necessidade de amar recolocar o amor da Pátria no centro das nossas preocupações. Não me refiro a um sentimentalismo pueril, cândido, ou como retórica de palanques ocasionalmente inflamados como vimos com alguns populistas durante as manifestações violentas, mas como acto ontológico ( Heidegger), como dever fundacional de quem deseja continuar a ser (Fitche).
Moçambique — esse chão milenar onde as lutas e guerras ancestrais, os batuques e tambores da resistência, os murmúrios do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao índico, e os sonhos sufocados sob o peso das estatísticas de organizações internacionais neocoloniais — não é apenas um espaço geográfico, um “montão” de terras, é a morada do Ser e do Devir moçambicano. E amar a pátria, neste contexto, é reconhecer-se a si mesmo como projecto inacabado que nele se desdobra, se projecta, se redimensiona, se efectiva como ser do tempo, e ao mesmo tempo como ser para além do tempo.
Os jovens, deveras vezes seduzidos pelas promessas cosméticas de outros céus por messias nacionais e Internacionais tal como vimos entre os meses de outubro 2024- Março 2025, impacientam-se em face dos problemas que enfrentamos como país: o desemprego, as desigualdades, a corrupção institucionalizada, problemas que têm sido alvo de uma atenção avisada do Presidente da República de Moçambique, Daniel Chapo. Mas que outra pátria nos cabe, senão esta? O verdadeiro amor à pátria é, como escreveu Frantz Fanon, no seu livro ” Os Condenados da Terra ” um salto para além da alienação colonial e uma reconquista dolorosa de si mesmo. Cinquenta anos é muito na vida de um homem, porém muito pouco na vida de um país, mormente, quando atravessado por guerras, pressões internacionais e actos lesivos aos interesses colectivos.
Amar Moçambique é, pois, lutar por ele ( Eduardo Mondlane )— não apenas com os punhos cerrados, mas com o espírito iluminado, com a inteligência insurgente e com a esperança disciplinada tal como fizemo-lo quando decidimos enveredar pela Luta de Libertação Nacional em Setembro de 1964.
Nas palavras do filósofo russo Nikolai Berdyaev, “a pátria é o destino do espírito no tempo”. E este destino é irredutível às circunstâncias políticas transitórias tal como fiz referência mais acima. Do mesmo modo, o pensamento tradicional chinês, moldado por Confúcio e Mêncio, duas grandes figuras do pensamento chinês, vincula o amor à terra natal à ideia de “ ren ” (benevolência) e “ li ” (ordem ritual), como expressões do dever moral de sustentar a harmonia cósmica da qual o Estado- Pátria – faz parte.
Por sua vez, Samora Machel, pai fundador da da nossa nação e do nosso Estado, não se cansava de repetir em seus múltiplos discursos escritos e orais que “o amor à pátria é a mais elevada forma de consciência revolucionária”. Este amor não é cego, irracional, inconsciente, mas vê o fulgor de toda a consciência activa; não é passivo, mas age.
O jovem que ama a sua pátria não é aquele que a defende apenas quando a sorte se lhe abre, mas o que se ergue mesmo quando o país carrega consigo tantas imperfeições, quando se vê impotente diante das dificuldades existenciais. Como nos ensinou o estragega e intelectual, Amílcar Cabral, “dizer a verdade ao povo, mesmo que doa”, é o primeiro gesto de amor verdadeiro. A crítica é uma forma de patriotismo, desde que ela nasça da esperança e se oriente para a construção de um projecto ancorado naquilo que nos é fundamental: a eternidade ou perenidade de Moçambique.
Por isso, abandonar a pátria, ou entregá-la ao desleixo, é um acto de autoaniquilação.
Em tempos de inquietante caos simbólico e de proliferação de narrativas desconstrutivas e destrutivas, torna-se imperioso resgatar, com vigor hermenêutico ( Gadamer) e compromisso epistemológico, o imperativo do patriotismo como fundamento da pertença histórica e do engajamento ético com a Pátria Moçambicana. Num horizonte temporal marcado por pulsões revisionistas que, sob o manto da críticas da governação ou da necessidade de mudanças radicais, intentam deslegitimar os alicerces sacrificiais da Luta de Libertação Nacional, urge cultivar uma consciência patriótica que transcenda os meros sentimentalismos epidérmicos e se enraíze numa racionalidade histórica e política profundamente ancorada na memória colectiva do povo moçambicano. Isso exige um estudo apurado dos nossos ” Processos Históricos”, para usar o título do livro de Juan Zamora.
O patriotismo, neste prima, não deve ser confundido com chauvinismos vazios ou populismos como temos visto determinadas figuras políticas em Moçambique, mas compreendido como uma atitude de fidelidade activa à nação, à sua trajectória de emancipação e à permanente tarefa de construção de um projecto nacional soberano, justo e inclusivo fazendo jus ao ideário da luta pela nossa independência. Amar Moçambique, portanto, é reconhecer no seu solo e no seu povo não apenas a geografia de uma nação, mas o palco de uma luta contínua contra todas as formas de subalternização, colonização epistémica e dominação estrangeira, mesmo sob formas veladas de imperialismo económico ou humanitarismo intervencionista.
A juventude moçambicana, tal foi dito pelo Presidente da Frelimo e da República, Daniel Chapo, tanto no discurso de abertura da VII Conferência Nacional da OJM como o de indução dos felizes eleitos aos órgão desta agremiação, deve ser convocada a este exercício de reinscrição identitária e afectiva, desafiada a olhar para a História não como arquivo morto, mas como chama viva que exige continuidade, defesa e reinvenção crítica. Ser patriota é, pois, recusar a alienação, denunciar as narrativas diluídas que pretendem equiparar os heróis da libertação aos seus algozes, tal como vimos durante as manifestações violentas, e afirmar a soberania como valor inegociável tal como afirmamos sempre desde 1962.
Num tempo em que o revisionismo histórico ameaça apagar os traços da epopeia fundacional do Estado moçambicano, ser patriota é um acto de resistência epistémica, de afirmação ética, estética e de fidelidade inquebrantável à dignidade da Pátria como lugar sagrado. Como diria Frantz Fanon, “cada geração deve descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la” — e a nossa missão, enquanto herdeiros de Mondlane, de Samora e de tantos outros construtores da liberdade e do Estado Moçambicano, é resistir ao esquecimento, edificar o futuro e amar Moçambique com lucidez, com fervor e com coragem.