A crise nas cadeias da província de Nampula deixou de ser apenas uma questão humanitária. Hoje, é um problema político que expõe a fragilidade das instituições e coloca Moçambique sob os holofotes de organizações internacionais de direitos humanos.
As denúncias de superlotação, detenções ilegais e permanência de menores atrás das grades tornaram-se combustível para críticas contra o sistema judicial e penitenciário. Deputados da oposição falam em “desrespeito sistemático pela Constituição”.
Uma comissão parlamentar visitou os estabelecimentos prisionais e confirmou parte das denúncias. O relatório preliminar, segundo fontes internas, deverá apontar falhas graves na atuação do Estado, com destaque para o prolongamento abusivo de penas e a falta de garantias processuais.
A FRELIMO, partido no poder, reconhece a gravidade do problema, mas evita assumir responsabilidades diretas. Argumenta que o desafio é estrutural e herdado de décadas anteriores. Ainda assim, a pressão cresce dentro da própria Assembleia.
“Elaboraremos um relatório para que as instituições competentes assumam as suas responsabilidades. Não podemos permitir que cidadãos permaneçam presos para além do prazo legal”, afirmou o deputado Elísio de Sousa, que chefiou a missão.
No entanto, vozes da oposição acusam o Governo de negligência. Deputados da RENAMO e do PODEMOS falam em “fracasso na reforma do setor da justiça” e denunciam que a situação em Nampula é apenas a ponta do iceberg.
Para organizações da sociedade civil, o impacto vai além das fronteiras provinciais. “Quando um país prende menores e mantém cidadãos encarcerados mesmo após o cumprimento da pena, perde credibilidade internacional. Isto enfraquece Moçambique em fóruns regionais e internacionais”, alerta Gamito dos Santos, diretor da Koshukuru.
O Executivo defende-se com a promessa de construção de novas cadeias. O secretário de Estado de Nampula, Plácido Pereira, garantiu que o Governo central está atento, mas insistiu na prevenção como prioridade.
“A superlotação é um problema nacional. Novas infraestruturas poderão aliviar a pressão, mas o essencial é investir na educação e reduzir as causas da criminalidade”, declarou.
O discurso, no entanto, não convence críticos. Para analistas políticos, a insistência em soluções futuras é sinal de ausência de medidas concretas no presente.
“Moçambique arrisca entrar num ciclo vicioso: mais cadeias, mais detenções preventivas prolongadas, mais violações dos direitos humanos. O Estado está a agir de forma reativa, não preventiva”, considera o analista político Alberto Cuambe.
Nos bastidores, diplomatas em Maputo acompanham o caso com atenção. O risco de novas críticas em relatórios internacionais preocupa o Governo, sobretudo num momento em que o país procura reforçar a sua imagem para atrair investimentos.
A comunidade internacional tem alertado, nos últimos anos, para a necessidade de Moçambique adotar políticas prisionais alinhadas às convenções que subscreveu. O incumprimento reiterado poderá trazer consequências diplomáticas.
Internamente, juristas questionam a separação de poderes. Muitos apontam que a morosidade judicial é um dos principais fatores da superlotação. Processos que deveriam ser julgados em meses arrastam-se por anos, deixando centenas em prisão preventiva.
Essa realidade enfraquece a confiança dos cidadãos no Estado de direito. Em Nampula, famílias relatam desespero e descreem que a justiça seja capaz de oferecer respostas céleres e justas.
“Se a lei não é respeitada pelo próprio Estado, que exemplo estamos a dar aos cidadãos?”, questiona o advogado Joaquim Luís, que acompanha processos de detidos na província.
A situação também reacende o debate sobre alternativas à prisão, como penas comunitárias, prestação de serviços ou medidas de reintegração. Para especialistas, enquanto o país não adotar estas soluções, a pressão sobre as cadeias continuará.
O que hoje se vive em Nampula é, para muitos, um alerta vermelho. Mais do que números de reclusos ou celas sobrelotadas, trata-se de um teste à capacidade do Estado moçambicano de garantir direitos básicos e respeitar a própria Constituição.
Se falhar neste ponto, Moçambique arrisca não apenas a perda de legitimidade interna, mas também a erosão da sua imagem internacional.







