A Guiné-Bissau entra esta quinta-feira num novo capítulo de incerteza política, com o termo do mandato de Umaro Sissoco Embaló a dividir opiniões entre Governo e oposição.
Enquanto sectores oposicionistas exigem a saída imediata do Presidente e a transferência de poderes para a Assembleia Nacional Popular, Embaló insiste que mantém todas as prerrogativas constitucionais até à tomada de posse de um novo chefe de Estado.
O Presidente recorda que a Constituição não prevê vazio de poder e garante que continuará a exercer funções com plenos poderes até Novembro, mês em que agendou eleições presidenciais e legislativas.
A oposição, porém, acusa-o de manipular interpretações jurídicas para se manter no cargo além do prazo que considera legítimo. Para os partidos adversários, a partir de 4 de Setembro, Embaló deixa de ter competência para assinar decretos e deve abandonar o Palácio da República.
Num discurso em Agosto, o chefe de Estado reagiu: “Oiço as pessoas dizerem que o mandato do Presidente termina no dia 04 [de Setembro]. Sim. Mas isso não quer dizer que o Presidente sai do Palácio ou não pode decretar. Não é assim. O Presidente assina decretos até ao dia em que deixar funções de Presidente, com a posse de um novo Presidente”.
A disputa sobre o calendário do mandato não é nova. Já em Fevereiro, a oposição defendia que o ciclo presidencial se encerrava no dia 27, cinco anos após a posse formal de Embaló. O Presidente, contudo, sustenta que o prazo deve contar a partir de Setembro de 2020, quando o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a sua vitória eleitoral.
Na altura, o adversário Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, contestou os resultados e levou o caso ao Supremo. O tribunal, que também exerce funções de Tribunal Constitucional, decidiu a favor de Embaló, permitindo-lhe governar.
Mesmo tendo tomado posse de forma simbólica em Fevereiro de 2020, Embaló só reconhece a data de Setembro como início formal do mandato. É esse argumento que lhe serve agora de escudo contra a pressão da oposição.
A tensão intensificou-se quando Embaló decidiu marcar eleições gerais e presidenciais para 23 de Novembro. Para os partidos adversários, a Constituição determinava a realização das legislativas até 90 dias após a dissolução do parlamento, em Dezembro de 2023.
O Presidente justifica a dissolução com uma alegada tentativa de golpe de Estado que teria contado com a participação de alguns deputados. “Foi uma crise institucional grave”, declarou.
Já a oposição interpreta a decisão como uma manobra política para neutralizar a coligação PAI–Terra Ranka e o PAIGC, que haviam retomado protagonismo no parlamento.
Domingos Simões Pereira acusa Embaló de incoerência. “Sempre dissemos que o mandato terminava a 27 de Fevereiro. Ele disse que não. Agora que chegou a 4 de Setembro, deve ser coerente e abandonar a presidência”, defende.
O líder do PAIGC acrescenta que, cessadas as funções do Presidente, a Constituição prevê que o poder transite para o presidente da Assembleia Nacional Popular.
Contudo, Simões Pereira perdeu essa posição após a dissolução do parlamento, sendo substituído por Adja Satu Camará, do MADEM-G15, partido criado por Embaló.
O impasse ameaça mergulhar a Guiné-Bissau numa nova fase de instabilidade política, um cenário recorrente na sua história recente, marcada por sucessivos golpes e crises institucionais.
Juristas locais consideram que a falta de consenso em torno da interpretação constitucional fragiliza as instituições. “Estamos perante um problema político com roupagem jurídica e, sem arbitragem clara, a crise tende a agravar-se”, comenta um constitucionalista ouvido pelo jornal.
A comunidade internacional acompanha com atenção. A CEDEAO e parceiros externos pedem moderação e diálogo, receosos de que a disputa se traduza em novos focos de instabilidade.
Embaló, no entanto, insiste em transmitir firmeza. “Não há vazio de poder. Há Constituição e calendário eleitoral. Até Novembro sigo como Presidente”, reafirmou recentemente.
Enquanto isso, movimentos oposicionistas mobilizam manifestações para exigir a saída do Presidente. O clima nas ruas de Bissau é de expectativa e tensão.
O desfecho deste braço-de-ferro será determinante para o rumo das eleições e para a credibilidade das instituições guineenses. A forma como Embaló e a oposição conduzirem este momento poderá definir se o país avança para uma transição pacífica ou mergulha em mais uma crise política.







