Cinquenta anos após a independência nacional, Moçambique continua a debater-se com as mesmas interrogações que marcaram o início da era pós-colonial: como transformar a agricultura de subsistência num motor real de desenvolvimento? Esta foi uma das questões que dominaram o debate realizado nesta terça-feira, em Maputo, onde antigos dirigentes e académicos revisitaram o percurso económico e social do país.
O encontro, que juntou o antigo Ministro da Agricultura Joaquim de Carvalho e o académico britânico Joseph Hanlon, integrou uma série de debates que procuram refletir sobre as transformações e retrocessos verificados em diferentes sectores de desenvolvimento nacional, à luz dos 50 anos da independência de Moçambique.
No centro da discussão esteve o sector agrícola, considerado estratégico desde os primeiros dias do Estado moçambicano, mas que, segundo os intervenientes, continua a enfrentar um ciclo de promessas adiadas. Joaquim de Carvalho destacou que “a agricultura foi e continua a ser a base da economia nacional, mas o país não conseguiu consolidar uma estrutura produtiva capaz de responder às necessidades internas e externas”.
Carvalho recordou que, logo após a independência, Moçambique possuía um conjunto de infraestruturas e centros de produção agrícola que poderiam ter sustentado a industrialização, mas que “foram gradualmente abandonados, por falta de visão estratégica e pela instabilidade política que minou o sector produtivo durante décadas”.
Por sua vez, Joseph Hanlon apontou que o país atravessa hoje uma “crise de modelo”, onde a dependência da ajuda externa e de grandes projectos extractivos impede o florescimento de um verdadeiro sector agrícola moderno e inclusivo. “A agricultura moçambicana foi deixada para trás, enquanto o discurso oficial se concentrava no gás e no carvão”, criticou.
Os participantes do debate sublinharam que, apesar dos avanços tecnológicos e da diversificação de políticas públicas, o sector rural continua a depender fortemente da chuva e a apresentar baixos níveis de produtividade, agravados pela falta de infraestruturas de irrigação e armazenamento.
Hanlon defendeu que é urgente repensar o papel do Estado na dinamização da produção agrícola, investindo em mecanismos de apoio direto aos pequenos produtores, acesso a mercados e formação técnica. “Não há desenvolvimento sustentável sem agricultura. E não há agricultura moderna sem políticas coerentes e de longo prazo”, afirmou.
Para Joaquim de Carvalho, parte do problema reside na descontinuidade das políticas e na fraca coordenação entre os diferentes sectores. “Cada governo chega com um novo plano, mas sem continuidade institucional. O resultado é um ciclo de recomeços sem progresso real”, lamentou.
O debate foi também marcado por uma análise crítica à crescente urbanização e ao abandono das zonas rurais, fenómenos que, segundo os oradores, acentuam as desigualdades regionais e comprometem a segurança alimentar. “Estamos a criar uma economia de cidades, esquecendo o campo”, observou um dos participantes.
Ao longo da sessão, surgiram vozes que defenderam a necessidade de uma nova geração de políticas agrícolas centradas no produtor local e na valorização do conhecimento tradicional, sem negligenciar a inovação e a tecnologia como motores de modernização.
Os intervenientes foram unânimes em reconhecer que Moçambique dispõe de condições naturais excepcionais para se afirmar como um celeiro regional, mas que falta vontade política e planeamento de longo prazo. “O potencial existe, o que falta é coerência e visão”, resumiu Hanlon.
O encontro foi também uma oportunidade para revisitar os anos de euforia e esperança do período pós-independência, quando a agricultura era vista como o pilar da emancipação económica e da soberania nacional. Joaquim de Carvalho lembrou que “naqueles anos, acreditávamos que podíamos alimentar o país com as nossas próprias mãos”.
Cinco décadas depois, o país continua a importar boa parte dos alimentos básicos e a depender de ajudas internacionais para sustentar programas agrícolas. A discussão deixou no ar a pergunta que ecoa há meio século: quando é que Moçambique conseguirá romper o ciclo de dependência e transformar o campo no verdadeiro motor do seu desenvolvimento?
O debate terminou com um apelo à reflexão e à ação. “Celebrar 50 anos de independência não pode ser apenas olhar para o passado, mas questionar o que fizemos com a liberdade conquistada e o que ainda precisamos fazer para garantir o futuro das próximas gerações”, concluiu Joseph Hanlon.