Em Moçambique, pessoas com albinismo enfrentam desafios profundos que vão muito além das dificuldades visuais e dermatológicas inerentes à condição genética. A falta de proteção real, o preconceito e a negligência institucional ampliam suas vulnerabilidades. Apesar de o país contar com políticas públicas que prometem garantir seus direitos, essas normas permanecem na maioria das vezes inoperantes.
Segundo o artigo 35 da Constituição da República, “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção politica.
Milton Mundlovo, cofundador da Associação Amor à Vida, organização que atua em defesa das pessoas com albinismo, denuncia que o grande problema não está na ausência de leis, mas sim na falta de implementação e de compromisso dos órgãos públicos em transformar essas políticas em ações concretas.
Albinismo em Moçambique: uma questão de direitos humanos
O albinismo é uma deficiência, conforme explica Mundlovo: “A pessoa com albinismo tem dificuldades específicas — ela não pode se expor ao sol, corre risco de lesões graves na pele e tem limitações visuais que exigem atendimento especializado.” Por isso, garantir o acesso a serviços públicos de saúde com qualidade, além do fornecimento de protetores solares adequados, é uma obrigação do Estado.
No entanto, o que se vê é o oposto: “As políticas até existem, mas não chegam às pessoas, ou chegam de forma insuficiente. O protetor solar, por exemplo, que deveria ser distribuído gratuitamente nos hospitais, não está disponível. Muitas pessoas precisam comprar por conta própria, o que é inviável para a maioria.”
O papel das políticas públicas e a realidade da implementação
Moçambique possui várias leis e diretrizes que deveriam assegurar os direitos das pessoas com deficiência, incluindo o albinismo. No entanto, essas políticas frequentemente permanecem “letras mortas”, afirma Milton. “Está tudo escrito, tudo bonito, mas ninguém implementa. Falta mobilização de recursos e vontade política. As políticas públicas são aprovadas, mas ficam paradas, sem ação concreta.”
Essa lacuna afeta não só a saúde, mas a educação e o mercado de trabalho. “Muitas crianças com albinismo são colocadas nas últimas filas da sala, mesmo sabendo que têm dificuldades para enxergar. Professores e gestores escolares não estão preparados para adaptar o ensino, o que gera exclusão e baixo rendimento escolar.”
Preconceito, discriminação e falta de compreensão
Além da ausência de políticas efetivas, pessoas com albinismo sofrem com preconceito arraigado e discriminação velada, muitas vezes alimentada pelo desconhecimento. “Há casos de pessoas que não conseguem ser promovidas no trabalho porque seus empregadores acham que não conseguem desempenhar funções, apenas por terem baixa visão.”
Mundlovo ressalta que, mesmo em espaços públicos, o atendimento pode ser desigual: “Às vezes não negam o serviço, mas a forma como a pessoa é tratada é diferente, como se ela fosse incapaz. Isso fere a dignidade e viola direitos básicos.”
A Associação Amor à Vida aposta na transformação da abordagem assistencialista para uma luta baseada nos direitos humanos. “Não queremos que as pessoas com albinismo dependam da caridade ou da boa vontade de alguém. Elas têm direitos garantidos por lei e precisam ser respeitados e efetivados.”
Para isso, é fundamental capacitar profissionais da saúde, da educação e do serviço público para que compreendam as necessidades específicas das pessoas com albinismo e atuem com empatia e competência.
Solidariedade e atitude são parte da solução
Milton destaca que, além das políticas, a mudança deve ocorrer na atitude individual e coletiva: “Se um professor entende que o aluno albino tem dificuldades visuais, deve buscar formas de ajudá-lo, colocando-o na frente da sala, ou contando com a ajuda de colegas. Isso é solidariedade e responsabilidade social.”
Ele conclui lembrando que a construção de uma sociedade mais justa passa pela inclusão real, pelo respeito à diversidade e pela implementação efetiva das políticas públicas.
O apelo final de Milton Mundlovo é claro: Moçambique precisa deixar de lado o discurso vazio e agir para que as pessoas com albinismo tenham seus direitos respeitados, do acesso à saúde até a educação e o mercado de trabalho. “Temos que garantir não só a existência das políticas, mas sua aplicação com recursos e fiscalização.”
A luta da Associação Amor à Vida é um convite para que o Estado, a sociedade civil e a população moçambicana abracem a causa e transformem a realidade dessas pessoas, antes que a exclusão e a invisibilidade perpetuem a injustiça.
Conhecer o albinismo e respeitar os direitos das pessoas que vivem essa condição é essencial para a construção de um Moçambique inclusivo, justo e humano. Não basta criar políticas: é preciso implementá-las com compromisso e urgência.