O escritor moçambicano John Oreste Kanumbo defende que a cultura nacional continua a ser vista como um adereço político, e não como uma força capaz de gerar economia e identidade. Em entrevista ao IsocNews, lamentou que o país ainda não saiba valorizar a riqueza cultural que possui.
“Temos talentos imensos em todas as áreas como a música, literatura, artes plásticas, dança. Mas Moçambique ainda não acredita na sua própria cultura. Exportamos matérias-primas com orgulho, mas escondemos a arte e o pensamento dos nossos criadores”, afirmou Kanumbo.
Segundo o escritor, tanto governo quanto oposição recorrem à cultura apenas para se enfeitar. “Chamam-nos para animar comícios e festas de Estado, mas no dia seguinte desaparecem todos os apoios. Cultura, aqui, serve para legitimar discursos, não para transformar a sociedade”, disse.
O contraste, segundo Kanumbo, está no reconhecimento internacional de nomes como Paulina Chiziane ou Mia Couto, que foram celebrados primeiro fora antes de serem valorizados internamente. “É uma contradição gritante: precisamos do olhar estrangeiro para reconhecer o que temos de melhor.”
Na música, a situação não é diferente. Muitos talentos sobrevivem de shows políticos, casamentos ou patrocínios limitados. Outros acabam por emigrar em busca de oportunidades. “Temos músicos com nível mundial, mas vivem reféns de agendas alheias e sem protecção do Estado”, observa.
O escritor identifica como falha principal a ausência de visão. “Aqui, cultura ainda é vista como festa e entretenimento. Não temos bibliotecas vivas, museus activos, nem políticas fortes de direitos autorais. O povo consome cultura, mas o Estado não a protege nem a projecta.”
Entre as soluções, Kanumbo aponta leis eficazes de direitos autorais, incentivos para editoras, investimento em plataformas de difusão e organização dos próprios criadores. “Sem união e sem registo das obras, vamos continuar a ser usados e descartados”, alertou.
Para o autor, a cultura deve ser entendida como economia, memória e identidade. “O dia em que percebermos isso, deixaremos de ser consumidores da cultura dos outros para sermos produtores da nossa própria história.”
“Se quisermos respeito internacional, temos de começar por respeitar os nossos artistas, a nossa língua e a nossa memória. Um país que não protege a sua cultura não se respeita. E um país que não se respeita, nunca será respeitado no mundo”, concluiu Kanumbo.